STJ: Entre amores e rancores, Eliana Calmon encerra carreira de 34 anos na magistratura
Terça Feira, 17 de Dezembro de 2013
A ministra Eliana Calmon, que se aposenta na próxima quarta-feira (18), fez história no Tribunal da Cidadania. Não só porque foi a primeira mulher a ocupar o cargo de ministra no tribunal superior. Não porque conduziu umas das maiores investigações comandadas pelo Superior Tribunal de Justiça (STJ) – a Operação Navalha. Nem porque esteve à frente da Corregedoria Nacional de Justiça. Eliana Calmon escreveu um capítulo dedicado aos magistrados vocacionados na história do STJ e do Judiciário.
Ela afirma ter estudado profundamente o poder desde que ingressou na magistratura, e conhecido suas entranhas nos dois anos em que esteve como corregedora, de 2010 a 2012. A experiência certamente influenciou sua gestão na Escola Nacional de Formação e Aperfeiçoamento de Magistrados Ministro Sálvio de Figueiredo (Enfam), responsável pela capacitação de juízes, novos ou experientes.
Ministra, são quase 40 anos de serviço público, um pouco menos de magistratura, 14 de STJ. Para quem diz que chegou à magistratura meio sem querer, foi uma caminhada e tanto.
Eliana Calmon – Quando eu deixei o Ministério Público foi muito difícil. Fiz concurso para juiz federal, meio que por fazer, mas fiquei na dúvida quando comecei a passar. Foi me dando uma agonia! Passei em quarto lugar e fui ao tribunal [TRF da 1ª Região] para pedir para colocar o meu nome no último lugar. Daí, o secretário do concurso me levou ao presidente do tribunal e ele me catequizou, disse para eu não fazer aquilo... Eu disse que ia pensar, mas disse pra me livrar, porque eu estava certa de que não ia assumir. Aí, o destino vai mostrando pra gente os caminhos. É tão engraçado, às vezes a gente não traça nada e as coisas simplesmente acontecem.
E a senhora considera que travou o bom combate?
EC – As pessoas dizem “eu cumpri o meu dever e estamos conversados”, “eu cumpri o meu dever e deixei tudo como era antes”. Eu não. Eu fui além de cumprir o meu dever e eu quis mudar algumas realidades.
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E o que precisa para melhorar o Judiciário?
EC – Precisa maior compreensão da posição política que ocupa hoje o Poder Judiciário. O juiz não pode mais ser um espectador que olha de longe o que o governo está fazendo. O legislador transformou o juiz em realizador fiscal das políticas públicas. Não sendo executadas, cabe ao juiz determinar que se faça. E, se mal executadas, cabe ao juiz dizer como devem ser feitas, e fazer a correção. Por isso, o juiz de hoje é um agente político. Ele pode desempenhar uma parcela de poder na sociedade a que serve.
Os novos juízes já têm esse entendimento?
EC – Sim. As escolas de magistratura têm sido um grande incentivo. Mas, por outro lado, tenho muita preocupação com juízes novos, porque muitas vezes são atraídos para a magistratura como se fosse um emprego. Tem um bom salário e, para o jovem que às vezes sai da mesada para o primeiro salário, é espetacular. Tem também o fato de você não ter chefe, não ter de dar satisfação, tem o charme da magistratura, porque é reconhecido socialmente. Tudo isso atrai. Mas temos de mostrar o outro lado.
O juiz é solitário, o juiz decide sozinho. Se ele acerta, ele acerta para o Poder Judiciário. Se ele erra, ele erra sozinho e tem de assumir sua responsabilidade. A vida pessoal de um juiz também fica limitada. Para ser um bom juiz ele precisa ter um comportamento muito reto. Por que eu exijo isso mais de um juiz do que de outros cidadãos? Porque o juiz trabalha com o certo, com comportamentos, com valores éticos que estão incrustrados na sociedade a que ele serve. Ele é um profissional diferenciado, porque ninguém perdoa a falta pessoal de um juiz.
Como se manter humilde mesmo quando se está no poder?
EC – Você não pode perder a perspectiva de que aquilo que você está fazendo é algo que vai estruturar a sua própria carreira. Você não pode brincar, transacionar, ter posições levianas, quando você está defendendo o direto à lei. Você está julgando, você está examinando o direito à lei.
É essa a diferença de um magistrado de carreira, um magistrado de coração, um magistrado vocacionado, para um julgador. Do julgador, você pode medir a eficiência com uma fita métrica. “Fiz dois metros de processo, tá resolvido. Não tenho nenhum processo concluído pra sentença. Sem problema.”
Entre os processos que a senhora relatou, a Operação Navalha foi seu maior desafio?
EC – Foi o processo mais duro que tive em termos de tamanho, em termos de complicação. Mas a operação que me deixou mais sensibilizada foi a Operação Dominó. Ali eu vi o envolvimento de setores do Poder Judiciário com o crime organizado. Ali fiquei chocada. As interceptações telefônicas mostrando negociação para concessão de liminar em habeas corpus, para prolação de sentença, reintegração de posse... Aquilo me deixou muito chocada.
Fonte: STJ
íntegra da entrevista em http://www.stj.gov.br/portal_stj/publicacao/engine.wsp?tmp.area=398&tmp.texto=112710
Imagem de tribunadaconquista.com.br
A ministra Eliana Calmon, que se aposenta na próxima quarta-feira (18), fez história no Tribunal da Cidadania. Não só porque foi a primeira mulher a ocupar o cargo de ministra no tribunal superior. Não porque conduziu umas das maiores investigações comandadas pelo Superior Tribunal de Justiça (STJ) – a Operação Navalha. Nem porque esteve à frente da Corregedoria Nacional de Justiça. Eliana Calmon escreveu um capítulo dedicado aos magistrados vocacionados na história do STJ e do Judiciário.
Ela afirma ter estudado profundamente o poder desde que ingressou na magistratura, e conhecido suas entranhas nos dois anos em que esteve como corregedora, de 2010 a 2012. A experiência certamente influenciou sua gestão na Escola Nacional de Formação e Aperfeiçoamento de Magistrados Ministro Sálvio de Figueiredo (Enfam), responsável pela capacitação de juízes, novos ou experientes.
Ministra, são quase 40 anos de serviço público, um pouco menos de magistratura, 14 de STJ. Para quem diz que chegou à magistratura meio sem querer, foi uma caminhada e tanto.
Eliana Calmon – Quando eu deixei o Ministério Público foi muito difícil. Fiz concurso para juiz federal, meio que por fazer, mas fiquei na dúvida quando comecei a passar. Foi me dando uma agonia! Passei em quarto lugar e fui ao tribunal [TRF da 1ª Região] para pedir para colocar o meu nome no último lugar. Daí, o secretário do concurso me levou ao presidente do tribunal e ele me catequizou, disse para eu não fazer aquilo... Eu disse que ia pensar, mas disse pra me livrar, porque eu estava certa de que não ia assumir. Aí, o destino vai mostrando pra gente os caminhos. É tão engraçado, às vezes a gente não traça nada e as coisas simplesmente acontecem.
E a senhora considera que travou o bom combate?
EC – As pessoas dizem “eu cumpri o meu dever e estamos conversados”, “eu cumpri o meu dever e deixei tudo como era antes”. Eu não. Eu fui além de cumprir o meu dever e eu quis mudar algumas realidades.
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E o que precisa para melhorar o Judiciário?
EC – Precisa maior compreensão da posição política que ocupa hoje o Poder Judiciário. O juiz não pode mais ser um espectador que olha de longe o que o governo está fazendo. O legislador transformou o juiz em realizador fiscal das políticas públicas. Não sendo executadas, cabe ao juiz determinar que se faça. E, se mal executadas, cabe ao juiz dizer como devem ser feitas, e fazer a correção. Por isso, o juiz de hoje é um agente político. Ele pode desempenhar uma parcela de poder na sociedade a que serve.
Os novos juízes já têm esse entendimento?
EC – Sim. As escolas de magistratura têm sido um grande incentivo. Mas, por outro lado, tenho muita preocupação com juízes novos, porque muitas vezes são atraídos para a magistratura como se fosse um emprego. Tem um bom salário e, para o jovem que às vezes sai da mesada para o primeiro salário, é espetacular. Tem também o fato de você não ter chefe, não ter de dar satisfação, tem o charme da magistratura, porque é reconhecido socialmente. Tudo isso atrai. Mas temos de mostrar o outro lado.
O juiz é solitário, o juiz decide sozinho. Se ele acerta, ele acerta para o Poder Judiciário. Se ele erra, ele erra sozinho e tem de assumir sua responsabilidade. A vida pessoal de um juiz também fica limitada. Para ser um bom juiz ele precisa ter um comportamento muito reto. Por que eu exijo isso mais de um juiz do que de outros cidadãos? Porque o juiz trabalha com o certo, com comportamentos, com valores éticos que estão incrustrados na sociedade a que ele serve. Ele é um profissional diferenciado, porque ninguém perdoa a falta pessoal de um juiz.
Como se manter humilde mesmo quando se está no poder?
EC – Você não pode perder a perspectiva de que aquilo que você está fazendo é algo que vai estruturar a sua própria carreira. Você não pode brincar, transacionar, ter posições levianas, quando você está defendendo o direto à lei. Você está julgando, você está examinando o direito à lei.
É essa a diferença de um magistrado de carreira, um magistrado de coração, um magistrado vocacionado, para um julgador. Do julgador, você pode medir a eficiência com uma fita métrica. “Fiz dois metros de processo, tá resolvido. Não tenho nenhum processo concluído pra sentença. Sem problema.”
Entre os processos que a senhora relatou, a Operação Navalha foi seu maior desafio?
EC – Foi o processo mais duro que tive em termos de tamanho, em termos de complicação. Mas a operação que me deixou mais sensibilizada foi a Operação Dominó. Ali eu vi o envolvimento de setores do Poder Judiciário com o crime organizado. Ali fiquei chocada. As interceptações telefônicas mostrando negociação para concessão de liminar em habeas corpus, para prolação de sentença, reintegração de posse... Aquilo me deixou muito chocada.
Fonte: STJ
íntegra da entrevista em http://www.stj.gov.br/portal_stj/publicacao/engine.wsp?tmp.area=398&tmp.texto=112710
Imagem de tribunadaconquista.com.br
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