CRÔNICA: A petição inicial sedutora
Quinta Feira, 24 de Outubro de 2013
Por Eduardo Sens dos Santos *
Por Eduardo Sens dos Santos *
Longe de mim pretender professorar neste assunto, mas aos poucos a gente passa a distinguir o que é bom do que não é.
Aqui aprendi muito mais com os advogados do que com promotores. Aliás, um dos grandes professores é o livrão Manual do Advogado, do professor Valdemar Pinto da Luz. E que me desculpem os colegas, mas quem sabe fazer uma boa petição inicial e um bom recurso são os bons advogados. Tento imitá-los - os que enobrecem a profissão -, como confessado noutro post.
Pois bem. A boa petição inicial, assim como o bom recurso, tem uma regra só, da qual derivam dezenas de outras. A boa petição inicial é sedutora.
Seja um simples caso de família, seja a mais complexa das ações civis públicas, a petição inicial tem que deixar o leitor, seja juiz, desembargador, seja advogado do réu, todos, enfim, perdidamente apaixonados pela tese.
A começar pela apresentação gráfica. Não, não se engane, da mesma forma que a Gisele Bündchen não ficaria bonita vestida com uns trapos sujos e velhos, a tese que você vai defender, como promotor ou advogado, não vai seduzir ninguém se vier com excesso de caixa alta, com formatação bagunçada, com espaçamento irregular. Sim, também no direito a primeira impressão é a que fica. E a primeira impressão é uma olhada geral para as primeiras páginas do processo. Um vestido que realce o conteúdo sempre atrai mais olhares do que aquela velha calça desbotada ou coisa assim.
Logo depois vem o desgraçado do primeiro parágrafo. Ele é o corte de cabelo de nossa sedutora dama chamada Petição Inicial. Sim, é difícil, mas tem que estar perfeito. Nada a mais, nada a menos. Aqui a síntese é que manda. Um cabelão para Guinness Book é medonho; então, seja meticuloso e parcimonioso. Só escreva o que for necessário. É no primeiro parágrafo que você vai prender a atenção do leitor. E, lembre-se: prender a atenção é o primeiro passo para a sedução.
Damas verdadeiras não são apenas aparência, mas também conteúdo. Portam-se delicadamente, mas com segurança; têm informações valiosas, precisas. Quando falam, além da postura da voz, as palavras saem com fluidez, sem excessivos apostos, sem exorbitâncias. Para que citar o CNPJ da empresa todas as vezes que se referir a ela no corpo da petição? Para que utilizar citações desnecessárias de doutrina antiga? É realmente importante transcrever a íntegra de uma escritura imobiliária? E a transcrição de um depoimento? A dama Petição Inicial não cansa seus ouvintes; a sua petição inicial também não deve cansar o leitor.
Mas o jogo da sedução precisa de intervalos, precisa de pausas. Monólogos só seduzem no teatro, e olhe lá! A citação serve para isso. Mas tem que ser usada com absoluta moderação. Quem cita, cita-se, já dizia o professor Warat (o que, aliás, impediria que eu o citasse aqui, mas agora já foi). Cite aquilo que realmente importa, ou aquela espinha enorme surgirá na ponta do nariz: a dama virará bruxa. Ninguém mais, nem mesmo o sapo, vai ser interessar.
Não sei em que época isso aconteceu, mas tem gente que ainda acha que uma petição inicial de respeito deve ter mais de 50 páginas. Eu não concordo. E talvez nenhum juiz concorde também. Algo entre 10 e 15 páginas já é suficiente. Tem que ser suficiente! Pense bem: três cavalheiros cortejam a dama e ela abre a boca e desata a falar durante longas três horas. Ao lado dela, uma outra dama, nem tão formosa, sorri delicadamente e faz breves e, além de inteligentes, muito bem pontuadas intervenções. Eu me apaixonaria por ela. A tagarela, que fica abrindo capítulos para falar de legitimidade ativa, legitimidade passiva, para chover no molhado e repetir dissertações já ultrapassadas, essa vai voltar para casa sozinha.
Mas lá está a nossa dama, a Petição Inicial, quase sendo pedida em casamento quando o cavalheiro desiste de tudo. Sim, ela tropeça ao sair do baile, cai de cara na poça de lama e solta um grito gutural seguido de estridentes ataques de raiva, como uma louca. São os pedidos que foram mal feitos. Uma petição inicial muito boa tem começo, meio e fim muito bons. Pedidos genéricos, amplos demais, que não dão segurança ao juiz são um tapete mal esticado. Vão fazer a Petição Inicial cair no último minuto, quase chegando na carruagem. Pedidos ilíquidos são piores ainda. Só na fase da liquidação (refiro-me à sentença, não pense besteira!) é que vão se mostrar inexequíveis e, assim, injustos. Como pedir a implantação de uma política pública se nem mesmo uma estimativa de preços apresentamos?
"Ah, ela ensina as tochas a brilhar! Parece estar suspensa na face da noite, tal qual jóia rara na orelha de uma etíope; bela demais para o uso, muito cara para a vida terrena". Talvez a Petição Inicial perfeita não exista, tal como não existiu (dizem) Julieta de Capuleto.
* o autor é promotor de Justiça e editor do blog do Ministério Público
Fonte: Blog doministeriopublico.blogspot.com.br
originalmente ali publicado em 09 de setembro de 2013
originalmente ali publicado em 09 de setembro de 2013
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