STF: O legado do próximo presidente nas indicações de ministros...

Segunda Feira, 27 de Outubro de 2014










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Gerald Ford assumiu a Presidência dos Estados Unidos em 9 de agosto de 1974, em meio a uma das mais difíceis crises institucionais da democracia norte-americana. Depois da renúncia do vice-presidente Spiro Agnew em 1973, em meio a acusações de irregularidades fiscais, Ford foi escolhido para a Vice-Presidência com base na 25ª Emenda à Constituição americana, tornando-se presidente com a renúncia de Richard Nixon, em consequência do escândalo Watergate.
Em seu mandato de pouco menos de dois anos e meio, coube a essa personagem histórica, que nunca fora eleita para um cargo executivo, recuperar o prestígio das instituições americanas, em especial a da Presidência; encerrar definitivamente a Guerra do Vietnã; desenvolver tratativas com a União Soviética, reforçando a distensão da Guerra Fria; bem como auxiliar na formulação de um acordo de paz entre Israel e Egito.
O próprio Ford, entretanto, mediu sua curta passagem pela Presidência a partir de outro referencial, como se pode verificar no seguinte trecho de uma carta enviada pelo ex-presidente americano, em 2005, ao diretor da Fordham Law School:
“Historiadores estudam os eventos diplomáticos, legislativos e econômicos significativos, ocorridos ao longo de um mandato presidencial, para avaliar aquela presidência. Normalmente, pouca ou nenhuma atenção é dada aos efeitos de longo prazo dos indicados pelo presidente para a Suprema Corte. Que esse não seja o caso da minha presidência. Isso porque estou preparado para que o julgamento da história sobre o meu mandato recaia — se necessário, exclusivamente — sobre minha indicação, trinta anos atrás, de John Paul Stevens para a Suprema Corte dos Estados Unidos”.[1]
Stevens foi o único justice indicado por Ford para a Suprema Corte, permanecendo no tribunal por quase trinta e cinco anos. A influência de Ford no cenário político-institucional norte-americano, portanto, projetou-se para muito além de seu turbulento e reduzido mandato presidencial encerrado em 1977, fazendo com que seus ideais de “republicano moderado” fossem representados na Suprema Corte até 2010, quando Stevens, aos 90 anos, aposentou-se.
A clara percepção desse legado presidencial, consubstanciado nas indicações para a Suprema Corte, faz com que o perfil de possíveis candidatos à magistratura suprema seja um tema constante nas eleições norte-americanas.
Na disputa de 2012, por exemplo, Mitt Romney criticou juízes com visões liberais e que defendiam a ideia de uma “Constituição viva”, rejeitou teses adotadas pela Suprema Corte em alguns julgamentos e tachou como deletérias as indicações de Obama para o tribunal. E, lembrando a questão do legado, afirmou que, não alterado o quadro por ele denunciado, “as liberdades estariam nas mãos da Corte Obama não pelos próximos quatro anos, mas sim pelos próximos quarenta anos”.[2]
As indicações judiciais são, de fato, um tema eleitoral e, eleito o candidato, servem para avaliar seu desempenho no cargo, para determinar sua influência na vida política e institucional para os próximos anos.[3]
A revista New Yorker da última semana, por exemplo, traz uma interessante análise do legado de Barack Obama, demonstrando que as suas 280 nomeações para o Judiciário federal foram orientadas no sentido da construção de uma jurisprudência consistente em temas como direitos políticos e igualdade de gênero, bem como no que diz com o reconhecimento de direitos às uniões entre pessoas do mesmo sexo. Todos esses assuntos serão conformados, nas próximas décadas, pelos nomeados por Obama, que — como registra a matéria de Jeffrey Toobin — têm, em média, menos de 50 anos de idade.[4]
Hoje, o Brasil vai às urnas para escolher o próximo presidente, que — sem contar com a vaga atualmente aberta, decorrente da aposentadoria de Joaquim Barbosa — deverá indicar, pelo menos, cinco novos ministros para o Supremo Tribunal Federal, tendo em vista as aposentadorias compulsórias de Celso de Mello (novembro de 2015), Marco Aurélio (julho de 2016), Ricardo Lewandowski (maio de 2018), Teori Zavascki (agosto de 2018) e Rosa Weber (outubro de 2018).
E, nesse quadro, as perguntas que não foram feitas ao longo da campanha presidencial deste ano e que, portanto, restam sem resposta podem ser assim formuladas: como pensam os candidatos preencher essas vagas? Quais serão seus critérios para escolha dos novos ministros do Supremo, caso eleitos? Que habilidades são tidas pelos candidatos como relevantes em um membro da Suprema Corte? Têm eles alguma concepção sobre o papel do Judiciário e, em especial, do STF na estrutura de poder definida pela Constituição de 1988?
Se os curiosos por essas respostas buscarem os documentos programáticos apresentados pelas duas candidaturas ao Tribunal Superior Eleitoral, ficarão perdidos. Ainda que o programa de Aécio Neves faça a defesa veemente de vários valores e direitos que permeiam a Constituição brasileira, nenhuma palavra há sobre suas compreensões acerca do guardião precípuo desse documento, o Supremo Tribunal Federal.[5]
Da mesma forma, o programa de Dilma Rousseff indica o cuidado com uma série de temas que constam da pauta do STF, mas não dá pistas quanto ao modo como serão indicados seus membros.[6] É verdade que, em relação à candidata do PT, há a experiência concreta das quatro indicações efetuadas no mandato em curso: Luiz Fux, Rosa Weber, Teori Zavascki e Roberto Barroso.
Desses nomes se pode depreender uma preferência por juristas técnicos, com experiência nas estruturas do Estado — Luiz Fux, Rosa Weber e Teori Zavascki eram ministros de tribunais superiores quando de suas nomeações para o STF e Roberto Barroso era procurador do Estado do Rio de Janeiro — e com titulação e atividade acadêmicas — Fux, Zavascki e Barroso são doutores em Direito e exercem a docência superior.
Entretanto, não se tem claramente um fio condutor das escolhas no que toca ao papel do STF na interpretação da Constituição, ao chamado ativismo judicial, à possibilidade de controle judicial de políticas públicas, à extensão da intervenção do Judiciário nas esferas de autonomia dos demais Poderes. Em suma, não se desenha, a partir dessas indicações — por mais eminentes que sejam os indicados —, o legado que Dilma Rousseff pretendeu deixar no Supremo Tribunal Federal.
E a questão da construção de um legado passa também, como visto na indicação de Stevens por Ford, pelo tempo que o indicado permanece na corte. No caso da presidente Dilma Rousseff, dois de seus escolhidos — Weber e Zavascki — terão passagens pelo STF com duração inferior a sete anos, enquanto os outros dois ficarão menos de 12 e 15 anos, respectivamente Fux e Barroso.
A diferença se mostra evidente quando esses períodos são comparados com a judicatura de outros ministros na recente história do STF. Na segunda metade do século XX, é inegável que a figura mais importante para o desenvolvimento da jurisprudência do Supremo foi a do ministro Moreira Alves. E é igualmente inegável que sua marcante influência se deu não só por sua invulgar cultura jurídica, mas também pelo fato de ter exercido a função de ministro do Supremo Tribunal Federal por quase 28 anos (1975-2003), multiplicando por mais de cinco vezes o mandato do presidente responsável por sua indicação, Ernesto Geisel.
Atualmente, o decano do STF, ministro Celso de Mello, é exemplo vivo de como a permanência de um juiz na corte é importante para moldar suas decisões. Nomeado em 1989 pelo presidente José Sarney, terá mais de 26 anos de exercício do cargo de ministro quando completar 70 anos de idade, em 2015.
Assim também o ministro Marco Aurélio, que terá mais de 26 anos de judicatura no STF quando de seus 70 anos, em 2016. O ministro Gilmar Mendes, por sua vez, poderá completar 23 anos no STF até a compulsória, assim como o ministro Dias Toffoli atingirá 28 anos na função, se permanecer na corte até completar 70 anos.
Não se pode deixar de reconhecer que, por meio dessas indicações, Ernesto Geisel, José Sarney, Fernando Collor, Fernando Henrique Cardoso e Luiz Inácio Lula da Silva tiveram a oportunidade — aproveitada ou não, pouco importa — de fazer com que suas visões de mundo, suas compreensões sobre as relações entre os poderes, suas concepções quanto à intervenção do Estado na economia e na sociedade, entre tantas outras questões, se fizessem presentes na vida institucional brasileira por períodos muito mais abrangentes que seus mandatos presidenciais.
A indicação de um ministro do STF se apresenta, portanto, como um momento fundamental para a definição do futuro do Brasil, sendo que a cada vaga aberta se materializa a potencialidade de um novo arranjo de forças[7], que pode levar a jurisprudência constitucional brasileira para diferentes e impensados rumos.
E a importância desse ponto de inflexão do Direito brasileiro como um todo contrasta com o silêncio sobre o tema das indicações para o STF ao longo da campanha eleitoral. Discutiu-se o combate à corrupção, mas não a escolha daqueles que, talvez nos próximos 20 anos, serão responsáveis por julgar as altas autoridades do Estado brasileiro. Foram mencionados diferentes programas assistenciais, mas não se cuidou do perfil que os candidatos esperam dos ministros que definirão, no futuro, a extensão dos direitos sociais dos brasileiros. Levantou-se o debate sobre a maioridade penal, mas o conteúdo concreto das garantias constitucionais que será assentado pelos futuros integrantes do STF ficou fora da discussão.
Agora, resta esperar que , passada a apuração e definida a Chefia de Estado pelos próximos quatro anos, passe a sociedade brasileira — ou, pelo menos, a comunidade jurídica — a cobrar de quem for eleito as diretrizes que informarão essas importantes indicações, de modo a suscitar o debate sobre o direito constitucional que se quer para o futuro e a se desenvolver um efetivo controle social sobre as nomeações para o STF.
Somente assim poderá haver a clara definição de um legado da próxima presidência no constitucionalismo brasileiro, pelo qual se poderá avaliar — assim como se pôde avaliar Gerald Ford — a atuação de Dilma Rousseff ou Aécio Neves.

[1] O trecho transcrito, em sua versão original, tem o seguinte teor: "Historians study the significant diplomatic, legislative, and economic events that occurred during a Presidential term to evaluate that Presidency. Normally, little or no attention is given to the long term effects of that President's Supreme Court nominees. Let that not be the case with my Presidency. For I am prepared to allow history's judgment of my term in office to rest (if necessary, exclusively) on my nomination thirty years ago of John Paul Stevens to the U.S. Supreme Court." Sobre a carta de Ford e a nomeação de Stevens, ver: http://law.fordham.edu/17791.htm
[3] Importância essa que é reforçada pelo fato de que tem o Presidente dos Estados Unidos a competência para nomear todos os juízes federais norte-americanos, desde a primeira instância até a Suprema Corte, sem que se tenha a imposição da aposentadoria compulsória.
[4] Jeffrey Toobin. “The Obama Brief. The Presidente considers his judicial legacy”. New Yorker, edição de 27 de outubro de 2014, disponível em:http://www.newyorker.com/?p=2864781&mbid=social_tablet_f
[7] Essa realidade é registrada por John Paul Stevens, fazendo menção a Byron White: “For that reason, as Byron White – who served as an active justice for thrity-one years – frequently observed, the confirmation of any new justice creates a new Court with significantly different dynamics than its predecessor. One could argue that 2010, when Elena Kagan joined the Court as its 112th justice, marked de inauguration of the Kagan Court rather than the continuation of the Roberts Court. If so, the Court that Lewis Powell and Bill Rehnquist joined in 1972 would be better termed the Powell-Rehnquist Court than the Burger Court” (cf. Five Chiefs. A Supreme Court Memoir, New York: Back Bay Books, 2011, p. 7.


* Carlos Bastide Horbach é advogado em Brasília, professor doutor de Direito Constitucional da Faculdade de Direito da USP e professor do programa de mestrado e doutorado em Direito do UniCEUB.








fonte: Conjur
extraído na íntegra

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