AGU: Projeto permite o ingresso de pessoas não-concursadas, enfraquece a instituição...
Sábado, 26 de Janeiro de 2013
Por Simone Fagá e Felipe Hessmann Dutra
“Quem atua com base em um parecer jurídico dado por alguém que está em cargo em comissão não tem nada. O parecer não vale nada. Se eu devo me apoiar em alguém, mas esse alguém depende de mim, eu não estou me apoiando em ninguém. A regra no serviço público é o concurso público”.
Foram essas as palavras do jurista Celso Antonio Bandeira de Mello na abertura do VI Encontro Nacional dos Advogados Públicos Federais, promovido pela União dos Advogados Públicos Federais do Brasil (Unafe) em outubro do ano passado.
O entendimento do professor Bandeira de Mello se coaduna com a preocupação generalizada que se instala entre os membros da Advocacia-Geral da União (AGU) acerca da usurpação de suas funções por pessoas estranhas à carreira.
Nesse sentido, o jurista também sustentou, na palestra, as razões óbvias que levam gestores públicos a se cercarem de cargos em comissão: “emitido um parecer, o agente público que se comporta na conformidade daquele parecer, está livre de qualquer punição, alcançando assim alicerces (pareceres jurídicos) ao seu prazer”.
O recente caso, amplamente divulgado pela imprensa nacional, do desmonte de uma quadrilha de pareceres técnicos, instalada no seio da administração pública para operar interesses privados, confirma o que disse o professor e reacende a necessidade de assegurar urgentemente mecanismos que consolidem, de fato, a permanência de instituições, em especial da AGU, em defesa do interesse do estado e da nação e não de grupos escusos que se infiltram nos governos passageiros.
A AGU tem a missão de esclarecer ao gestor público o que é certo e errado, à luz do direito, apontando soluções jurídicas adequadas à política pública que se pretende implementar. Nesse sentido, é óbvio e fundamental que não exista qualquer subordinação em relação ao administrador público assessorado, sendo até mesmo questionável que advogados públicos ocupem cargos em comissão.
Aqui é oportuno esclarecer que ao advogado público não cabe fazer opções políticas para ditar os rumos do país, pois se assim ocorresse, haveria grave dano à democracia. A opção sobre qual política pública a seguir é do agente político investido democraticamente no cargo e comprometido, portanto, com os cidadãos que aderiram às suas propostas quando da disputa eleitoral. Daí, dizer-se que a conveniência e oportunidade são esferas adstritas ao mandatário.
Todavia, é nítido que não se trata de um mandato em branco, no sentido de que todas as escolhas devem possuir amparo jurídico na Constituição do país. E não sendo o agente político, no mais das vezes, tecnicamente habilitado nas ciências jurídicas, entra aqui o papel do advogado público, que deve viabilizar juridicamente a opção política do mandatário, adequando-a às leis vigentes.
Ao contrário do sustentado por alguns, não se trata de burocratizar a atividade do Estado, emperrando decisões fundamentais, pois o que se busca é a eficiência do meio escolhido para consecução da finalidade almejada pelo ente estatal. Ora, ao escoimar, preventivamente, vício ou inconsistência jurídica, que mais tarde ensejaria a suspensão da execução, por exemplo, de obra ou contrato, por um litígio judicial, o advogado promove a segurança jurídica e a celeridade na consecução das escolhas políticas do mandatário.
Infelizmente, o equivocado entendimento de que haveria ofensa aos princípios republicanos e democráticos, ao se exigir concurso público para ingresso nas carreiras responsáveis pela consultoria e assessoramento jurídico do Poder Executivo ainda encontra coro na “inteligência” do país. Mais preocupante ainda é o argumento de que a atividade de consultoria deva ser realizada por “interlocutor qualificado” fora dos quadros da AGU que compartilhe das mesmas “visões políticas” do gestor.
Conforme já esclarecido, não cabe ao advogado público fazer escolhas políticas, estas são privativas do agente político. Portanto, identidade de pensamento político, pelo menos em tese, nada acrescentaria à atividade de consultoria e assessoramento, ao contrário, representaria a concretização do “aparelhamento” do aparato estatal.
Acrescente-se que consultoria e assessoramento jurídicos, conforme a própria designação deixa clara, são atividades exercidas por quem tem habilitação técnica, não sendo exigida qualquer identidade de visão política. Aliás, o próprio artigo 131, da Constituição da República Federativa do Brasil, não faz qualquer alusão ao referido “requisito”. Anote-se que ao elencar condições para o exercício de consultoria e assessoramento do Poder Executivo exige-se concurso público para ingresso na AGU, instituição responsável por estas atribuições.
E, considerando-se que a Constituição não tem palavras vãs, o sentido de não se exigir “visão política” é decorrência do sentido inequívoco de que a atuação do advogado público cinge-se à análise da constitucionalidade e legalidade e jamais de escolhas políticas, estas sim, do gestor.
Ademais, a exigência de concurso público para o exercício de consultoria e assessoramento do Poder Executivo decorre não só no artigo 131, mas também do artigo 37, da Carta Magna, posto que se coaduna ao espírito republicano e democrático do Diploma Fundamental. Entender o contrário significaria “escolher ficar no meio do caminho, juntando, de modo quase sempre humano, a lei impessoal e impossível, com a amizade e a relação pessoal, que dizem que cada homem é um caso e cada caso deve ser tratado de modo especial” (Roberto Da Matta – “O que faz o brasil, Brasil?”).
Diante do até aqui exposto, a Unafe discorda profundamente do modelo de advocacia pública contemplado no projeto de alteração da Lei Orgânica da AGU (PLP205/12), pois traz em seu bojo tanto o ingresso de não concursados na instituição quanto a dupla subordinação. Tais medidas não irão prejudicar apenas a Advocacia Pública Federal, mas, e principalmente, o país.
É de causar espanto que um projeto gestado na AGU proponha que pessoas não concursadas venham a ocupar os cargos na estrutura da instituição, inclusive de direção jurídica e representação judicial, considerando tais agentes como membros da Advocacia-Geral da União. Tal medida ofende jurisprudência reiterada do Supremo Tribunal Federal, que, em diversas ocasiões, já decidiu que os cargos existentes na estrutura das procuraturas jurídicas devem ser ocupados exclusivamente por membros efetivos.
Diante desse Projeto que politiza a AGU, hoje, o que se vê claramente, é a tentativa de enfraquecimento de uma instituição que tem identidade própria e se consolida como uma procuratura em defesa do Estado Brasileiro. A quem de fato interessa esse enfraquecimento? É a resposta que os Advogados Públicos Federais buscam para continuar acreditando no futuro de suas carreiras e até do país.
Ainda assim, mesmo diante do malversado projeto de lei orgânica e das tantas práticas adotadas no atual modelo de aparelhamento que rege a AGU, os advogados públicos federais continuam esperançosos na certeza de que ações suspeitas e tais tentativas de fragilização da instituição, não falarão mais alto que a ética, o caráter e o empenho que realizam diariamente a favor do Estado Brasileiro.
Simone Fagá é diretora-geral da União dos Advogados Públicos Federias do Brasil (Unafe).
Felipe Hessmann Dutra é diretor de Relações Institucionais da Unafe (União dos Advogados Públicos Federais do Brasil).
Fonte: Blog Lei e Ordem
texto publicado originalmente em Conjur, 22.01.13
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