Artigo: Ainda está longe o fim da pena de morte no planeta

Quinta Feira, 31 de Julho de 2014

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Por  Vladimir Aras

Fotos: Divulgação

Procurador da República?professor

Old_Sparky
“Old Sparky”, apelido dado às cadeiras elétricas nos Estados Unidos.
Ainda está longe o fim da pena de morte no planeta. Esse meio desumano e degradante de aplicar a “justiça”, além de moralmente condenável, é juridicamente indefensável, por representar uma exceção injustificável ao direito à vida e, ao mesmo tempo, por revelar a crença de que a sanção penal não passa de um mero meio de vingança privada pelas mãos de carrascos pagos pelo Estado.
artigo 5º, inciso XLVII, alínea `a`, da Constituição de 1988 proíbe a pena capital no Brasil, salvo em caso de guerra declarada. Sendo esta uma cláusula pétrea, não é possível emendar o texto constitucional para aplicá-la em tempo de paz ou a crimes não-militares. Somente uma nova ordem jurídica, uma nova Constituição, poderia instituir a pena de morte no Brasil. Vendem ilusões os políticos que sustentam a possibilidade de emendar a Carta de 1988 para implantar essa espécie de sanção penal no País.
Se uma emenda constiticional não tem futuro, tampouco seria viável qualquer outra alternativa com o mesmo propósito, já que o artigo 4º, §3º, da Convenção Americana sobre Direitos Humanos (Decreto 678/1992) determina que não se pode restabelecer a pena de morte nos Estados que a hajam abolido. Uma lei que viesse a fazê-lo seria declarada inconvencional e inaplicável pela Corte Interamericana de Direitos Humanos.
Em 1994, o Brasil tornou-se parte do Protocolo Adicional à Convenção Americana sobre Direitos Humanos Referente à Abolição da Pena de Morte, que foi adotado em Assunção, em 8 de junho de 1990 (Decreto 2754/1999). Os Estados-Partes nesse Protocolo comprometeram-se a não aplicar em seus territórios a pena de morte a nenhuma pessoa submetida a sua jurisdição.
Se os países signatários da Convenção Americana de 1969 não podem reinstituir a pena de morte em seus territórios, na Europa há proibição semelhante, disto resultando uma impossibilidade geral de marcha-ré nessa evolução, segundo o princípio da proibição do retrocesso (l’effet cliquet), que veda a supressão de direitos fundamentais do homem já afirmados ou reconhecidos ao longo da História. O caminho da Humanidade é sempre para frente e para cima.
De fato, na Europa, o Protocolo n. 6 à Convenção para a Proteção dos Direitos do Homem e das Liberdades Fundamentais relativo à Abolição da Pena de Mote (Protocolo de Estrasburgo, de 1983) complementou a Convenção Europeia de Direitos Humanos de 1950 e determinou a abolição da pena capital em todos os países signatários: “A pena de morte é abolida. Ninguém pode ser condenado a tal pena ou executado“.
Somaram-se a esses tratados, o Segundo Protocolo Opcional à Convenção Internacional sobre Direitos Civis e Políticos, com vista à abolição da Pena de Morte, adotado pela Assembleia-Geral das Nações Unidas, em 1989, e o Protocolo n. 13 à Convenção Europeia de Direitos Humanos (Protocolo de Vilnius, de 2002), que promoveu o banimento da pena de morte em todas as circunstâncias, inclusive em tempo de guerra, diferentemente do que prevê a Constituição brasileira, que ainda tolera essa punição, em situação de conflito armado, na forma prevista no Código Penal militar, isto é, fuzilamento (art.  56 do CPM).
Extinta na América Latina, na Oceania e na Europa, a pena capital resiste na África, na Ásia e em apenas quatro países do continente americano: Estados Unidos, Trinidad e Tobago, Barbados e Guiana.Na Europa, a exceção é a Bielo-Rússia (Belarus).
Além da proibição ipso facto da pena de morte, os tratados internacionais e a jurisprudência de certos países vedam a extradição quando há risco de sujeição do procurado à pena capital. Por isto, o artigo 19, §2º da Carta dos Direitos Fundamentais da União Europeia, que entrou em vigor por força do Tratado de Lisboa, estabelece que ninguém pode ser expulso ou extraditado para um Estado onde corra sério risco de ser sujeito a pena de morte, tortura ou a tratos ou penas desumanos ou degradantes.
Por semelhantes razões jurídicas, o Supremo Tribunal Federal condiciona a entrega de extraditandos a países que permitem a pena de morte à apresentação de um compromisso formal de que tal sanção não será aplicada ao extraditado. Foi o que se deu, por exemplo, na Extradição 1201, dos Estados Unidos, deferida pelo STF em 2011, mediante tal condição:
Extradição – Pena de morte – Compromisso de comutação – O ordenamento positivo brasileiro, nas hipóteses de imposição do “supplicium extremum”, exige que o Estado requerente assuma, formalmente, no plano diplomático, o compromisso de comutar, em pena privativa de liberdade não superior ao máximo legalmente exeqüível no Brasil (CP, art. 75, “caput”), a pena de morte, ressalvadas, quanto a esta, as situações em que a lei brasileira – fundada na Constituição Federal (art. 5º, XLVII, “a”) – expressamente permite a sua aplicação, caso em que se tornará dispensável a exigência de comutação. (STF, Pleno, Ext, 1201/EUA, rel. min. Celso de Mello, j. 17.12.2011).
Nesta mesma linha, o art. 13, §1º do Acordo de Extradição entre os Estados-Partes do Mercosul(Decreto 4.975/2004) estatui que “O Esrado Parte requerente nâo aplicará ao extraditado, em nenhum caso, a pena de morte ou a pena perpétua privativa de liberdade”.
Entre as democracias estáveis, somente Estados Unidos, Japão e Coréia do Sul ainda aplicam a pena de morte. Ao lado dessas nações estão ditaduras e teocracias, como China, Irã, Iraque e Arábia Saudita, aqui listados por ordem de execuções em 2012, num rol que conta ainda com Paquistão, Sudão, Argélia, Tailândia, Egito, Vietnã, Índia e Somália. De 2007 a 2012, o Irã executou 1663 pessoas por enforcamento, em eventos públicos de “exposição de suplícios“.
Fonte: Anistia Internacional
Fonte: Anistia Internacional
Admitir ou não a pena capital não é o único tema a ser enfrentado.É antiga a discussão sobre os métodos de execução da pena de morte. A reinvenção da guilhotina na França revolucionária teria tido o propósito de “humanizar” a o cumprimento da pena de decapitação, que se consumava com um machado. Nos últimos meses, os Estados Unidos têm enfrentado problemas para obter as substâncias químicas usadas para injeções letais, em execuções judiciais. A improvisação de misturas experimentais tem levado a casos como o de Joseph Wood, do Arizona, que, neste mês de julho de 2014, agonizou por cerca de duas horas, após receber doses intravenosas de midazolam e hidromorfona.
O abandono da pena como instrumento de reabilitação e reinserção social e a só possibilidade de erros judiciários deveriam acender sinal de alerta contra essa forma de punição. Nos Estados Unidos, oInnocence Project (aqui) tem retirado das celas e do corredor da morte dezenas de pessoas condenadas indevidamente, devido a vários motivos, como erros de jurados, falsas perícias, advogados ineptos, fraudes processuais praticadas pela Policia ou pelo Ministério Público (prosecutorial misconduct). Até agora 317 réus foram inocentados em 38 Estados americanos graças a exames de DNA (post-conviction DNA testing) que revelaram que os condenados eram na verdade inocentes. Desse total, 18 haviam sido condenados à morte.
Se tantos erros judiciários ocorrem num dos mais eficientes sistemas de justiça criminal do mundo, calcule o que pode se passar nos tribunais de países pobres, nos quais impera a tortura policial, nos quais técnicas periciais confiáveis não estão disponíveis e naqueloutros em que a singela e falível prova testemunhal basta para mandar alguém à forca ou ao paredão. E estou falando de execuções judiciais, porque as extrajudiciais, os extermínios sumários que ocorrem todos os dias merecem abordagem noutro post. Esta semana a imprensa repercutiu um desses casos, no Rio de Janeiro, onde dois “policiais” militares sequestraram e executaram um adolescente de 14 anos, após haverem-no apreendido, acusado e julgado.
Segundo a Anistia Internacional, 6.221 pessoas foram legalmente executadas no mundo de 2007-2012. Neste montante não entram as vultosas estatísticas da China, que se recusa a divulgá-las. No Brasil, os homicídios (incluindo execuções ilegais, chacinas e queimas-de-arquivo) ultrapassam a cifra de 50 mil vítimas por ano. A pena de morte não se revelou capaz de reduzir os índices de criminalidade em nenhum país, mas alguns ainda insistem em utilizá-la. Basta ver que nos EUA não são raros os episódios de crimes gravíssimos cometidos em escolas, universidades e shoppings, por pessoas aparentemente pacatas, que não se intimidam com a possibilidade de serem presas, julgadas e executadas. E lá, de 1976, quando foi reinstituída a pena capital, até julho de 2014, exatas 1385 pessoas foram executadas, segundo dados doDeath Penalty Information Center (aqui).
Interessante notar que a California gasta 130 milhões de dólares anuais para manter a pena de morte como um opção na sua legislação penal.
Por erro, fraude ou maldade, um inocente pode ver-se diante da morte por ordem judicial. Se tivéssemos pena capital no Brasil, esse risco também seria meu ou seu. Um mau policial, um promotor temerário, um advogado conivente e um juiz leniente podem entregar a sorte de um inocente às mãos de um verdugo.
Injeção letal, câmara de gás, lapidação ou apedrejamento, enforcamento, eletrocussão ou fuzilamento ainda são métodos adotados para execuções judiciais em alguns cantos do mundo. A criatividade humana é infinita. Dos cinco métodos legais de execução nos Estados Unidos, apenas a injeção letal continua a ser largamente usada. A cadeira elétrica, a “velha que faz faísca“, apelidada de “Old Sparky”, foi aposentada em quase todos os Estados americanos. Faltam as agulhas, os fuzis e as cordas. A Justiça não precisa delas.




Fonte: Blog do Vlad ( Vladimir Aras
extraído do artigo o efeito " cliquet ' e a pena de morte
publicado em 15/07/14
Imagem para ilustrar capturada no link
http://www.bahianoticias.com.br/justica/entrevista/90-procurador-vladimir-aras-denuncias-contra-consorcio-do-metro-de-salvador-e-trafico-de-pessoas.html

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