Mensalão; Uma Dosagem de Pena Complicada
Quarta Feira, 22 de Agosto de 2012
Capa da Folha de hoje (22/8/12):
“Ninguém será preso antes de 2013, afirma advogado
Em entrevista à Folha e ao UOL, Thomaz Bastos, que defende um ex-executivo do Banco Rural, calculou que no ritmo atual o julgamento tomará o mês de setembro e pode ‘até entrar em outubro’.
Depois, em ‘alguns meses’ será publicado o acórdão, o resumo com os votos dos ministros do Supremo Tribunal Federal e eventuais penas (…)
Para Thomaz Bastos, com o ‘julgamento em si’ concluído em meados de outubro, seria improvável o acórdão ficar pronto antes do fim do ano. Mesmo porque o STF entra em recesso na metade de dezembro, emendando os feriados de Natal e Ano Novo.
‘O acórdão é longo. Tem que passar pela revisão do relator, dos outros ministros, todos, para ver se suas posições estão corretas. Acho que isso leva alguns meses. No mínimo’, diz o advogado.
Publicado o acórdão, o Supremo receberá os chamados embargos de declaração, ações contestando possíveis incongruências na redação.
Esses embargos podem ser apresentados por advogados e pelo Ministério Público. Como o acórdão do mensalão será volumoso, ‘com mais de mil páginas’, diz Thomaz Bastos, haverá uma enxurrada de embargos no STF”
No Brasil, cada magistrado em um tribunal profere seu voto individualmente, dizendo se condena ou absolve o réu. No plenário do STF isso dá ‘placares’ como 5x6, 4x7, etc, para cada acusação contra cada acusado. As razões pelas quais condenam ou absolvem variam de magistrado para magistrado. Eu condeno, assim como você, mas as razões pelas quais condenamos são diferentes.
Isso, por exemplo, é diferente do que ocorre nas cortes da União Europeia, onde os 27 magistrados proferem uma decisão única, conjunta.
Mas até aí, tudo bem: desde que haja a condenação ou absolvição, sabe-se o que foi decidido. O problema é que eles também precisam estabelecer uma pena.
Os crimes no Brasil são apenados em um espectro que varia de penas mínimas e máximas possíveis. O condenado por peculato, por exemplo, deve ser condenado entre 2 e 12 anos de reclusão. Mas será 2, 3,3 , 7,5 ou 12 anos? Para isso o magistrados precisam chegar a um entendimento. Não dá, obviamente, para obrigar o condenado a cumprir uma pena para cada magistrado ou fazer uma média.
O que normalmente ocorre é que há um voto vencedor, seja o do relator, o do revisor ou o de um outro magistrado que esteja envolvido no julgamento. Nos casos de condenação (quando é necessário impor uma pena), se há um voto vencedor, ele normalmente dita a pena. Mas nem sempre.
Existe uma técnica muito usada nos tribunais que é discordar sem discordar, ou seja, um magistrado diz concordar com o voto de outro (o que inclui a pena imposta), mas não para aí: a pretexto de expressar o quanto concorda com o outro magistrado, ele educadamente diz no quanto discorda da lógica usada naquele voto. Ele concorda com o resultado (condenação e pena), mas não com meio (argumentos/lógica); mas, para evitar um confronto direto, disse que concordava. Não interessa: como ele concordou com resultado do voto do outro magistrado, a condenação proposta naquele voto prevalece.
Em um processo complexo como o mencionado na matéria acima, com mais de três dezenas de réus e com centenas de condutas, mesmo usando a técnica acima, é possível que os ministros deixem escapar um ou outro argumento da defesa ou da acusação, por exemplo, condenando Fulano pelos crimes B e C, absolvendo-o da acusação pelo crime D, mas esquecendo-se de dizer sobre a acusação pelo crime F. Ou condenando pelo crime F, mas esquecendo-se de aplicar a pena em relação a ele. É daí que aparecem os embargos de declaração, citados na matéria. Neles as partes não pedem para que o magistrado reconsidere sua decisão, mas que a esclareça. Algo do tipo ‘seu magistrado, o que o senhor quis dizer com isso?’ ou ‘seu magistrado, o senhor esqueceu de dizer o que decidiu a respeito da acusação pelo crime F’.
Como se isso já não fosse complicado o suficiente, quando há condenação, deve-se dizer ao que o réu foi condenado e o quantum da pena. É o que os juristas chamam de dosimetria da pena. E isso é feito através de um sistema chamado trifásico (três fases).
Primeiro estabelece-se uma pena base olhando-se a culpabilidade, os antecedentes, a conduta social, a personalidade do acusado, os motivos, as circunstâncias e consequências do crime, e o comportamento da vítima. Essa pena-base é estabelecida em algum lugar entre o mínimo e o máximo da pena possível.
Em seguida, essa pena base pode ser ajustada se houver agravantes (como o abuso de poder ou violação de dever inerente a cargo, por exemplo) ou atenuantes (confissão, por exemplo). Esse ajuste também fica entre o mínimo e o máximo de pena possível.
Por fim, os magistrados olham se há causas de aumento e de diminuição de pena. Por exemplo, no caso do peculato, a pena é aumentada em um terço “se, em consequência da vantagem ou promessa, o funcionário retarda ou deixa de praticar qualquer ato de ofício ou o pratica infringindo dever funcional”.
Além disso, se houver condenação a uma pena privativa de liberdade, os magistrados terão de decidir o regime de cumprimento inicial da pena (fechado, semiaberto ou aberto).
Se a pessoa está sendo acusada de mais de um crime, também precisam decidir se há concurso material (quando, mediante mais de uma ação ou omissão, a pessoa pratica dois ou mais crimes) ou formal dos crimes (quando, mediante uma só ação ou omissão, a pessoa pratica dois ou mais crimes) ou crime continuado (quando, mediante mais de uma ação ou omissão, a pessoa pratica dois ou mais crimes da mesma espécie, o que indica que são um mesmo crime extendido no tempo).
Logo, não é apenas chegarem a uma decisão sobre absolvição ou condenação por cada crime para cada acusado. Havendo condenação, precisam decidir todas as penas. E em um julgamento complexo como esse, ainda que a maioria concorde com a condenação, se cada ministro proferir um voto diferente, há o risco de se ter 11 decisões distintas para cada acusação contra cada acusado o que, na prática, prolongará o julgamento para muito além do que a maior parte das pessoas espera.
PS: Para os curiosos, esse é o acórdão proferido pelo STF condenando o primeiro parlamentar federal desde a promulgação da Constituição Federal de 88. Das 75 páginas, 30 são sobre a dosimetria da pena.
Fonte: Mazelas do Judiciário
texto originalmente publicado em Folha.com em, 22.08.12
Capa da Folha de hoje (22/8/12):
“Ninguém será preso antes de 2013, afirma advogado
Em entrevista à Folha e ao UOL, Thomaz Bastos, que defende um ex-executivo do Banco Rural, calculou que no ritmo atual o julgamento tomará o mês de setembro e pode ‘até entrar em outubro’.
Depois, em ‘alguns meses’ será publicado o acórdão, o resumo com os votos dos ministros do Supremo Tribunal Federal e eventuais penas (…)
Para Thomaz Bastos, com o ‘julgamento em si’ concluído em meados de outubro, seria improvável o acórdão ficar pronto antes do fim do ano. Mesmo porque o STF entra em recesso na metade de dezembro, emendando os feriados de Natal e Ano Novo.
‘O acórdão é longo. Tem que passar pela revisão do relator, dos outros ministros, todos, para ver se suas posições estão corretas. Acho que isso leva alguns meses. No mínimo’, diz o advogado.
Publicado o acórdão, o Supremo receberá os chamados embargos de declaração, ações contestando possíveis incongruências na redação.
Esses embargos podem ser apresentados por advogados e pelo Ministério Público. Como o acórdão do mensalão será volumoso, ‘com mais de mil páginas’, diz Thomaz Bastos, haverá uma enxurrada de embargos no STF”
No Brasil, cada magistrado em um tribunal profere seu voto individualmente, dizendo se condena ou absolve o réu. No plenário do STF isso dá ‘placares’ como 5x6, 4x7, etc, para cada acusação contra cada acusado. As razões pelas quais condenam ou absolvem variam de magistrado para magistrado. Eu condeno, assim como você, mas as razões pelas quais condenamos são diferentes.
Isso, por exemplo, é diferente do que ocorre nas cortes da União Europeia, onde os 27 magistrados proferem uma decisão única, conjunta.
Mas até aí, tudo bem: desde que haja a condenação ou absolvição, sabe-se o que foi decidido. O problema é que eles também precisam estabelecer uma pena.
Os crimes no Brasil são apenados em um espectro que varia de penas mínimas e máximas possíveis. O condenado por peculato, por exemplo, deve ser condenado entre 2 e 12 anos de reclusão. Mas será 2, 3,3 , 7,5 ou 12 anos? Para isso o magistrados precisam chegar a um entendimento. Não dá, obviamente, para obrigar o condenado a cumprir uma pena para cada magistrado ou fazer uma média.
O que normalmente ocorre é que há um voto vencedor, seja o do relator, o do revisor ou o de um outro magistrado que esteja envolvido no julgamento. Nos casos de condenação (quando é necessário impor uma pena), se há um voto vencedor, ele normalmente dita a pena. Mas nem sempre.
Existe uma técnica muito usada nos tribunais que é discordar sem discordar, ou seja, um magistrado diz concordar com o voto de outro (o que inclui a pena imposta), mas não para aí: a pretexto de expressar o quanto concorda com o outro magistrado, ele educadamente diz no quanto discorda da lógica usada naquele voto. Ele concorda com o resultado (condenação e pena), mas não com meio (argumentos/lógica); mas, para evitar um confronto direto, disse que concordava. Não interessa: como ele concordou com resultado do voto do outro magistrado, a condenação proposta naquele voto prevalece.
Em um processo complexo como o mencionado na matéria acima, com mais de três dezenas de réus e com centenas de condutas, mesmo usando a técnica acima, é possível que os ministros deixem escapar um ou outro argumento da defesa ou da acusação, por exemplo, condenando Fulano pelos crimes B e C, absolvendo-o da acusação pelo crime D, mas esquecendo-se de dizer sobre a acusação pelo crime F. Ou condenando pelo crime F, mas esquecendo-se de aplicar a pena em relação a ele. É daí que aparecem os embargos de declaração, citados na matéria. Neles as partes não pedem para que o magistrado reconsidere sua decisão, mas que a esclareça. Algo do tipo ‘seu magistrado, o que o senhor quis dizer com isso?’ ou ‘seu magistrado, o senhor esqueceu de dizer o que decidiu a respeito da acusação pelo crime F’.
Como se isso já não fosse complicado o suficiente, quando há condenação, deve-se dizer ao que o réu foi condenado e o quantum da pena. É o que os juristas chamam de dosimetria da pena. E isso é feito através de um sistema chamado trifásico (três fases).
Primeiro estabelece-se uma pena base olhando-se a culpabilidade, os antecedentes, a conduta social, a personalidade do acusado, os motivos, as circunstâncias e consequências do crime, e o comportamento da vítima. Essa pena-base é estabelecida em algum lugar entre o mínimo e o máximo da pena possível.
Em seguida, essa pena base pode ser ajustada se houver agravantes (como o abuso de poder ou violação de dever inerente a cargo, por exemplo) ou atenuantes (confissão, por exemplo). Esse ajuste também fica entre o mínimo e o máximo de pena possível.
Por fim, os magistrados olham se há causas de aumento e de diminuição de pena. Por exemplo, no caso do peculato, a pena é aumentada em um terço “se, em consequência da vantagem ou promessa, o funcionário retarda ou deixa de praticar qualquer ato de ofício ou o pratica infringindo dever funcional”.
Além disso, se houver condenação a uma pena privativa de liberdade, os magistrados terão de decidir o regime de cumprimento inicial da pena (fechado, semiaberto ou aberto).
Se a pessoa está sendo acusada de mais de um crime, também precisam decidir se há concurso material (quando, mediante mais de uma ação ou omissão, a pessoa pratica dois ou mais crimes) ou formal dos crimes (quando, mediante uma só ação ou omissão, a pessoa pratica dois ou mais crimes) ou crime continuado (quando, mediante mais de uma ação ou omissão, a pessoa pratica dois ou mais crimes da mesma espécie, o que indica que são um mesmo crime extendido no tempo).
Logo, não é apenas chegarem a uma decisão sobre absolvição ou condenação por cada crime para cada acusado. Havendo condenação, precisam decidir todas as penas. E em um julgamento complexo como esse, ainda que a maioria concorde com a condenação, se cada ministro proferir um voto diferente, há o risco de se ter 11 decisões distintas para cada acusação contra cada acusado o que, na prática, prolongará o julgamento para muito além do que a maior parte das pessoas espera.
PS: Para os curiosos, esse é o acórdão proferido pelo STF condenando o primeiro parlamentar federal desde a promulgação da Constituição Federal de 88. Das 75 páginas, 30 são sobre a dosimetria da pena.
Fonte: Mazelas do Judiciário
texto originalmente publicado em Folha.com em, 22.08.12
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