Política: Como o governo está tentando enganar a população com a meta do superávit primário

Terça, 25/11/14

Por Luciana Lopes *

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Charles Goodhart, economista e professor da London School of Economics, defendia que, quando os governos tentam regular um ativo financeiro em particular, esse ativo deixa ser confiável como indicador de tendências econômicas.
A afirmação foi extrapolada para uma lei bem mais geral, que ficou conhecida como Lei de Goodhart: quando um indicador social ou econômico adquire status de meta de política econômica, ele deixa de ser uma boa mensuração.
Na mesma linha, o cientista social Donald Campbel abordou os problemas das metas de programas sociais, afirmando que, quanto mais um indicador social quantitativo é usado para a tomada de decisões (como vincular o pagamento de professores às notas dos alunos em um teste nacional), mais sujeito ele está a ser corrompido e, com isso, mais facilmente irá distorcer e corromper os processos sociais que deveria monitorar (os professores passam a ensinar apenas como passar no teste, mas o nível real de aprendizado não se altera).
Em resumo, a lei de Campbel diz que, em políticas públicas, as metas podem levar à tortura de indicadores, os quais deixam então de ser um bom indicador social. Algo como diminuir o limite inferior da renda para que uma pessoa seja considerada classe média, de forma que a diminuição da pobreza pareça maior.
No mundo das finanças públicas existem diversas metas que devem ser cumpridas pelos governos municipais, estaduais e federal. Grande parte delas foi instituída pela Lei de Responsabilidade Fiscal, a Lei Complementar n° 101 de 2000.

Uma meta importante da LRF é a do gasto com pessoal — não mais do que 60% da receita corrente líquida do governo pode ser gasta com o pagamento de funcionários do governo.  Se passar disso, o governo deve tomar medidas politicamente drásticas, como a demissão de servidores públicos.
Sendo um mensurador que baliza grandes tomadas de decisão, essa meta de 60% vem sendo um perfeito exemplo de aplicação da lei de Goodhart-Campbel em estados que são intensivos em mão-de obra. Vejamos abaixo:

O gráfico mostra a despesa com pessoal do estado de Minas Gerais, conforme critérios da LRF. Podemos ver que, a partir de 2006, o percentual é crescente, chegando ao ápice em 2010 e reduzindo-se substancialmente em 2011.  Terá a despesa com pessoal caído ou a receita corrente líquida aumentado muito daquele ano em diante?
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Participação da despesa com pessoal do estado (valores atualizados). Minas Gerais — 2006-2013. Fonte: Assembléia Legislativa de Minas Gerais
A verdade é que a queda é explicada não por uma redução de gastos ou por um aumento na arrecadação, mas sim pela alteração do cálculo da meta, que passou a excluir os gastos com inativos do cômputo geral do gasto com pessoal — alteração essa baseada em uma interpretação da Portaria Conjunta n° 2 de Agosto de 2010 da Secretaria Nacional do Tesouro.

A alteração da medida deu uma "folga" ao estado — que já estava bem próximo de atingir o limite máximo estabelecido na LRF — para conceder novos aumentos e contratações, e distorceu a capacidade do indicador de avaliar sua real situação fiscal.
Nesta semana, um outro caso de distorção de metas tem ganhado grande repercussão. Trata-se da tentativa, pelo governo federal, de alterar a meta de superávit primário constante na Lei de Diretrizes Orçamentárias, LDO, para este ano.
O superávit primário é, ao mesmo tempo, uma medida e uma meta estabelecida todos os anos na LDO, por todos os entes federativos.  Grosso modo, ele mede quanto o governo — excluídas as despesas e as receitas financeiras (que envolvem pagamento de juros) — conseguiu economizar para pagar a dívida.
Na realidade, deveríamos falar em resultado primário, pois o que pode acontecer é um superávit, quando as receitas são maiores que as despesas; ou um déficit, quando se gasta mais do que se recebe.
Para 2014, a meta de superávit primário da União havia sido estabelecida no art. 2° da Lei n° 12.919/2013 em R$116,072 bilhões, podendo ser descontados destes, de acordo com o art. 3°, até R$67 bilhões de gastos do Programa de Aceleração do Crescimento, o PAC, e da desoneração de tributos.
Na prática, portanto, a meta de superávit do ano pode baixar para até R$49,072 bilhões.




Luciana Lopes é formada em Direito pela UFMG. Atua como consultora legislativa de finanças públicas, é advogada e administradora pública.




fonte: www.mises.org.br
íntegra do artigo  http://www.mises.org.br/Article.aspx?id=1976
n.b: os negritos são nossos

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