O mensalão e a derrota dos advogados ou derrota de Evandro Lins e Silva e sua geração "

 
CNJ: AP 470




13dezembro2012
HISTÓRIA DO FORO

A derrota de Evandro Lins e Silva e de sua geração

Em tempo de AP 470 muitos jornalistas e opinantes em geral atacaram a figura dos advogados e a qualidade de suas defesas orais no plenário do Supremo Tribunal Federal. Alguns, fingindo erudição, destacaram que não se faziam mais advogados como Evandro Lins e Silva, Antônio Evaristo de Moraes Filho e Waldir Troncoso Peres, muito embora a grande parcela da advocacia, jornalismo e cidadania não tenha ouvido falar dos três mestres, ou, os que já ouviram falar, não tenham se interessado em correr atrás de suas obras — não necessariamente as escritas, pois só Evandro as deixou. Talvez seja esse o problema e o ponto de acerto nessa crítica: não se fazem mais advogados como antigamente, pois os advogados de hoje não conhecem a história do Foro.
Os dois primeiros, de atuação inicialmente no Rio de Janeiro, destacaram-se ao seu tempo. Evandro, pupilo do pai de Antônio Evaristo, tornou-se o mestre deste. Uma linha sucessória sem sangue, de alma. Enfrentaram-se nos dois casos criminais mais célebres de suas décadas. Na década de 70 no julgamento de Raul Fernando do Amaral Street, com vitória de Evandro, mas com “absolvição” que não perdurou no segundo julgamento, quando a defesa foi de Humberto Teles e a acusação não mais de Evaristinho, mas de Heleno Fragoso.
Anos depois se enfrentaram novamente quando se julgou nos idos de 90, Fernando Collor. No julgamento político Evandro, na tribuna do Senado da República, venceu. Não atuaria (e nem poderia) no julgamento judicial vencido por Evaristinho — que conseguiu provar a inocência criminal de seu cliente.
Waldir era um monstro à parte que despontava como o maior criminalista paulista, dono da mais impressionante capacidade de falar que muito provavelmente já se viu. Mestre da defesa dos criminosos passionais (homens e mulheres) é o homem (pois eterno) que introduziu conceitos freudianos à ars oratoria e também aos julgamentos políticos propriamente ditos, bem como aos decunho político, como foi o julgamento do delegado Fleury (absolvido). Perderia o Júri de Lindomar Castilho (contra Márcio Thomaz Bastos) por quatro votos contra três, enquanto as feministas circundavam o Tribunal com um abraço símbolo da pressão popular pela condenação. Quem é do ramo, sabe: esses três votos são infinitamente mais difíceis de conseguir que uma vitória de 7x0 em casos de repercussão.
Mas as histórias das vitórias e derrotas pouco importam. O cretino (e existem muitos) judicial que se louva por jamais ter perdido além de mentiroso é caso para a psiquiatria. Quem nunca perdeu ou manipula a distribuição dos processos ou sempre tem razão, o que lhe faz perder a condição humana primeira: a falibilidade. Acha-se Deus e os mais desequilibrados, acham-se deuses, como se o Olimpo por inteiro habitasse em suas cabeças.
Mas por que os lembro? Por que lembrar os advogados já passados? Por primeiro, pois é preciso cada vez mais perpetuá-los, nós que esquecemos as virtudes e os crimes logo que uma nova manchete aparece versando sobre um novo assunto. Por segundo, para indicar que os que os louvam hoje — comparando suas grandezas à aventada mediocridade dos advogados contemporâneos — são hipócritas de ocasião. É a mesma imprensa que atacava suas figuras quando nas defesas de sua época.
Certa feita Flávia, neta de Evandro, me enviou um bonito documentário que dirigido por ela sobre a história de seu avô. Flávia — diretora e entrevistada — lembrou em uma das cenas que foi abordada quando criança por uma professora que a segurou pelo braço e disse não se conformar que Evandro defenderia um assassino como Doca.
De igual modo o clima contra a advocacia de Evaristinho era ruim. Ele também sofreu, por exemplo, ataques pessoais por ter aceitado a defesa de Collor. Mas amigos: não os sofreu só pela imprensa ou pela massa instigada, mas pelos próprios advogados! Há um depoimento — creio que de Augusto Thompson — afirmando que Evaristinho era tratado como se tivesse lepra depois de ter aceitado a defesa do Presidente da República. Imaginem que a OAB cogitou de censurá-lo!
Os santos de hoje, paradigmas da profissão, referências para a comparação, eram tratados como escórias segundo os hipócritas louvadores de hoje. Trata-se de crime intelectual contra a poesia, pois inverteram o célebre verso de Millôr Fernandes: “Os fãs de hoje são os linchadores de amanhã”. E os linchadores de ontem são os fãs de hoje? Ao menos há esperança.
Mas o que fica desses grandes mestres não é estupidez de seus opositores/louvadores, mas sim suas derrotas no campo das ideias. O homem perdeu vez — no ideário dos homens — para a política e o Estado tornou-se cada vez mais atuante na remediação criminal e menos atuante na tentativa de evitar que novos criminosos fossem forjados no seio das misérias, dos descasos e dos abusos.
A questão penitenciária é uma farsa e por não terem ouvido os grandes advogados humanistas do passado, ela se tornou o grande problema da criminalidade. Ao tempo de Evandro o gigantesco Roberto Lyra — o maior promotor público da história do país — afirmava que “Na maior parte dos presídios o presos invejam as coudelarias e o canis” e de lá para cá nada foi feito. Basta ler os relatórios do CNJ para entendermos que punimos do mesmo modo que puníamos na década de 30 e os problemas são os mesmos, quando não muito mais graves. É como se o AZT aumentasse a força do vírus HIV e todos os soropositivos achassem que a política governamental e suas posições pessoais estão a mil maravilhas!
Ora bolas: a criminalidade aumentou, o método de punir gerou problemas mais graves do que os crimes que foram punidos às suas épocas e as crianças pobres ainda percebem no crime a única forma de ter o que assistem na televisão. Alguém é capaz de afirmar que estamos no caminho certo do combate ao crime?
Infelizmente os debates políticos sobre segurança pública indicam que teremos mais uns 200 anos dessa mesma política, pois ao invés de esclarecer seu eleitorado o político adapta-se ao que os eleitores pensam para conquistar votos (votos = poder = dinheiro). E assim caminhamos para a prancha. Em 40 anos, no ritmo em que estamos, teremos (o prognóstico é otimista) mais de 3 milhões de pessoas presas e milhares de escolas e centros hospitales terão deixado de existir para se construíssem mais presídios.
Eu sou advogado criminalista e minha mulher é arquiteta. Se eu tivesse trocado o cérebro pelo bolso diria “por mim, está ótimo”. Nós advogados teremos sempre quem defender — e em profusão sem igual — e minha mulher sempre o que construir (ela não constrói presídios, infelizmente ou felizmente).
É a acachapante derrota dos antigos deuses. E ilógica. É como se afirmássemos que a geração de Pelé foi uma desgraça depois da derrota da seleção em 2014.
Presídios lotados, método de punir gerando mais crimes, advogados ainda sendo ultrajados pelo povo por exercerem suas profissões de acordo com a lei do povo e miséria cultural.
Mas tudo bem: o crédito aumentou e todos podem pagar em cem prestações uma nova televisão, quarenta vezes o valor do salário, para colocar nas paredes de zinco dos barracos. Pois é assim que se evolui como nação, é assim que se ensina o que é cidadania. É o novo índice com que se mede a riqueza do povo!
É sempre bom lembrá-lo: “Subdesenvolvimento não se improvisa, é uma obra de séculos” (Nelson Rodrigues).

Thiago Anastácio é advogado criminalista e associado do Instituto de Defesa do Direito de Defesa (IDDD).


Fonte: Conjur
imagem facejus.adv.br

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