Opinião: A questão da criança e do adolescente...

Domingo, 18 de Novembro de 2012


Até a pé... (um caso de negação)


por José Olavo Bueno dos Passos, promotor de Justiça em Pelotas

Criança e adolescente são tidos como prioridade, pela Lei e pela concepção íntima de todas as pessoas. Pelo menos é o que se pensa. Ontem, 13 de novembro de 2012, estive em Porto Alegre, juntamente com projeto social realizado com algumas crianças e adolescentes que vivem em sistema de acolhimento institucional. O motivo da ida consistia em apresentação musical, pela segunda vez, a convite dos organizadores do “Prêmio Gestor Público”, que se realizaria na Assembleia Legislativa do Estado. A banda “Filhos do Sol”, nome escolhido pelos próprios acolhidos, faria apresentação, e o fez, quando do coquetel do evento.

Organizou-se, na referida ida a Porto Alegre, com prévio ajustamento junto à administração competente da Arena do Grêmio, visita dos meninos da banda a tal local, oportunidade que talvez jamais voltariam a ter. O outro passeio seria ao aeroporto Salgado Filho, o qual efetivamente aconteceu. Tudo estabelecido, organizou-se horário de saída, retorno, e de chegada aos locais escolhidos, programando-se para chegada na Assembleia Legislativa no horário fixado pela organização do evento. No ônibus, na viagem, a expectativa dos meninos era enorme, na sua imensa maioria gremistas, pois veriam o estádio do seu time do coração, o mais moderno do país (talvez a única chance que teriam de lá estar).

Ao chegar-se na Arena do Grêmio, para a surpresa de todos, foi negado o acesso ao local de visitas. Aliás, a demora em dar-se uma definição ao acontecido já, por si só, consistiu em grande desrespeito a todos os envolvidos. O motivo para se negar que crianças e adolescentes, da camada mais pobre da população, vítimas de uma série de negações de seus direitos fundamentais, protegidos pelo Estado, tivessem acesso à visitação ao novo estádio gremista, foi que “Ronaldo, o fenômeno” estaria no local, e não haveria “espaço” para os meninos. Realmente, a explicação e a justificativa têm um caráter fenomenal, ante a sua crueldade e falta de senso de humanidade. De se dizer que a visita à Arena do Grêmio foi previamente ajustada pela Promotoria da Infância e Juventude de Pelotas, através de estagiária que contatou funcionária que tratava de tais assuntos, fato acontecido há várias semanas, não tendo a administração da Arena Tricolor comunicado quem quer que seja, do cancelamento da ida ao estádio gremista.

Ironia é que o Sr. Ronaldo foi até o estádio gremista promover o jogo “contra a pobreza”. Lamentavelmente, pela presença de tal senhor no local – e diga-se que quando de nossa chegada à Arena lá não estava o jogador (empresário) referenciado, pois se encontraria no hotel dando entrevistas, o que possibilitaria nosso ingresso, mesmo que por tempo exíguo, sem qualquer conflito com a visitação do ex-jogador de times do centro do país e da Europa – gremistas ainda em formação física, sociológica, moral e espiritual, que careciam de enormes cuidados em face de sua vulnerabilidade, tiveram seu acesso à futura casa do Grêmio absolutamente negado, com todas as consequenciais traumáticas que tal ato pode acarretar.

Minha indignação com o ocorrido foi enorme, pois sou, acima de tudo, um Promotor de Justiça, e da Infância e Juventude, e ver, em minha frente, um ato de absoluta injustiça se realizar, tendo como vítimas pessoas que ocupam essa condição, em muitos casos, desde o seu nascimento, representa, sem estabelecer efetiva reação, a submissão ao sofisma dogmático do acatamento da existência de distinção entre fracos e poderosos, ricos e pobres, crentes e descrentes, se assim podemos dizer. 


Ante o visto, o vivido e o presenciado, contatei a direção do Grêmio, fui muito bem atendido, mas a situação não foi modificada, até porque, segundo o setor com quem falei, a parte da Arena tinha outra regulação.

Tudo ocorrido, entramos no ônibus, em silêncio, tristes, acabrunhados, e fomos embora, cumprir o restante de nossa agenda. Sou sócio do Grêmio, gremista desde criança, e jamais pensei que veria o meu clube, e foi o meu clube que assim agiu, negar a crianças e adolescentes, em situação de vulnerabilidade social, o simples acesso, para uma visita minúscula, previamente agendada, sem qualquer comunicação de cancelamento, ao seu estádio, tendo como justificativa a presença de um poderoso jogador que, a destempo com o que havíamos com o clube, para lá foi levado a fim de anunciar um jogo “contra a pobreza”. A pobreza, pelo ocorrido, mais uma vez foi realçada. Lamentável. Lamentável. Lamentável. Até a pé...vergonha...tristeza... . O Grêmio é muito maior do que aqueles que dirigem, em certos casos, seu destino.

Continuo gremista. As crianças e adolescentes que viveram esse inusitado fato também continuam. A diferença é que não conheceram, e provavelmente jamais conhecerão, o estádio de seu idolatrado clube Grêmio Foot-Ball Porto Alegrense. Lamentável. Lamentável. Lamentável.



Fonte: Blog Matéria Especializada

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