Competência por Prevenção: O juízo competente na denúncia contra Lula

Domingo, 26 de Junho de 2016

Foto do UsuárioRogério Tadeu Romano *









Sob o título “Aplica-se a prevenção”, o artigo a seguir é de autoria do advogado Rogério Tadeu Romano, procurador regional da República aposentado.
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O ministro Teori Zavascki, do Supremo Tribunal Federal (STF), determinou no dia 24 do corrente mês de junho envio para a Justiça Federal de Brasília de denúncia contra o ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva pela suposta tentativa de comprar o silêncio do ex-diretor da Petrobras Nestor Cerveró. Também são alvos da mesma denúncia o senador cassado Delcídio do Amaral, o banqueiro André Esteves e outras quatro pessoas.

Os sete são acusados de obstrução à Justiça, por suposta tentativa de atrapalhar a delação de Cerveró na Operação Lava Jato.

Para Teori Zavascki, “tais fatos não possuem relação de pertinência imediata com as demais investigações relacionadas às fraudes no ‘ambito da Petrobras'”. Por isso, ele entendeu que deve ser considerado o local onde o suposto crime foi consumado, em Brasília.

O procurador-geral da República, Rodrigo Janot, pediu ao Supremo que o caso fosse remetido para o juiz Sérgio Moro, responsável pela Lava Jato no Paraná, por entender que havia conexão dos fatos com o esquema de corrupção na Petrobras. Segundo Janot, alguns dos denunciados, como o empresário José Carlos Bumlai, o filho dele Maurício Bumlai e o próprio Cerveró já são alvos de processo no Paraná.

Advogados de defesa dos acusados, no entanto, contestaram o pedido de envio ao Paraná. O banqueiro André Esteves, um dos denunciados, argumentou que o suposto crime foi cometido em Brasília. Já o ex-presidente Lula afirmou que o caso deveria ir para Justiça Federal de São Paulo porque fatos narrados ocorreram naquele estado.

O entendimento traçado no Supremo Tribunal Federal considera que se trata de competência material pelo critério rationi loci.
A competência material leva em conta as características da questão criminal, sendo estudada sobre três aspectos:
a) Critério ratione materiae: objetiva identificar qual a Justiça competente e os critérios de especialização, tendo em conta a natureza da infração;
b) Critério ratione personae: leva em consideração, do que se lê no artigo 69 do Código de Processo Penal, a importância das funções desempenhadas por determinadas pessoas, que serão julgadas perante o tribunal. É a hipótese do foro por prerrogativa de função;
c) Critério ratione loci: considera, a teor do artigo 69, I e II, do Código de Processo Penal, o juízo territorialmente competente, considerando como parâmetro o local de consumação do delito, além do domicílio ou residência do réu.
Com o devido respeito há evidente prevenção, como bem sustentado pelo Ministério Público na fundamentação que foi apresentada e acima resumida. Leva-se em conta evidente critério de conexão.
A prevenção é a razão da reunião desses processos.
A prevenção se dá quando, tendo dois ou mais juízes igualmente competentes ou com jurisdição cumulativa, venha um dele, antecipando-se aos outros praticar algum ato ou determinar alguma medida, mesmo antes de oferecida a denúncia(prisão preventiva, fiança) que o torne competente para o processo, excluídos os demais” (PAULO LÚCIO NOGUEIRA. Curso Completo de Processo Penal, 3ª ed., Saraiva. l987, pág. 66).
Preventa estará a jurisdictio de um juízo, quando este preceder, antecipar-se aos demais juízes igualmente competentes em algum ato do processo ou de medida a este relativa, ainda que anteriormente ao oferecimento da denúncia ou queixa.
Prevenção é critério de fixação da competência.
Prevenção é ato de prevenir, e prevenir (de prevenire) é vir antes, chegar antes, antecipar-se etc. Diz-se, então, prevenida ou preventa a competência de um juiz quando ele se antecipou a outro, também competente, na prática de ato do processo ou de que a este se relacione, como sucede com a prisão preventiva, a em flagrante, as buscas e apreensões, o reconhecimento de pessoas ou coisas etc.

Deflagrada em 17 de março de 2014 a chamada “operação Lava-Jato” desmontou um esquema de lavagem de dinheiro e evasão de divisas que movimentou enorme quantia de dinheiro.
Informa-se que, de acordo com a Polícia Federal, as investigações identificaram um grupo especializado no mercado clandestino de câmbio.
Por certo, a sociedade de economia mista Petrobras está no centro das investigações, que apontam ex-dirigentes daquela empresa envolvidos no pagamento de propina a políticos e executivos de empresas que firmaram contratos com a petroleira.
Como já salientado foram diversos os ilícitos cometidos que estão sendo investigados: peculato; corrupção passiva e ativa(sendo que há uma vertente onde se argumenta pela existência de crime de concussão, forma de extorsão promovida por servidor público); frustrar ou fraudar licitação mediante ajuste ou qualquer outro expediente, o caráter competitivo do procedimento licitatório com intuito de obter para si ou para outrem, vantagem decorrente da adjudicação do objeto da licitação; organização criminosa, formação de cartel, todos em concurso material(artigo 69 do Código Penal). Além deles, pode-se falar no cometimento, dentre outros, de delitos de sonegação fiscal, lavagem de dinheiro e evasão de divisas.
Sabe-se que essa operação levou à prisão de Alberto Youssef, que foi apontado como “chefe do esquema de lavagem de dinheiro e evasão de divisas”.
Vem a pergunta: Que razões levam à competência da Justiça Federal de primeira instância(que se encerra quando houver investigação envolvendo parlamentar federal, quando então a competência será do Supremo Tribunal Federal), para investigar, instruir e julgar?
Dir-se-á que há outros crimes conexos, de competência da Justiça Estadual, cometidos. Como definir a competência?
Sabe-se que a Petrobras é uma sociedade de economia mista e a competência para instruir e julgar crimes contra ela cometidos é da Justiça Estadual. Como disse Eugênio Pacelli(Curso de processo penal, 16ª edição, pág. 222), tanto a competência da Justiça Federal quanto a da Estadual são fixadas constitucionalmente, daí porque se constituem ambas, no juiz natural para os crimes federais e para os crimes estaduais, respectivamente. A opção pela reunião dos processos pode ser explicada pela necessidade de preservar o princípio da unidade e coerência das decisões judiciais.
No concurso entre crimes conexos e ou continentes da competência da Justiça Federal e da Justiça Estadual, prevalecerá a da primeira, segundo entendimento já sumulado na jurisprudência do Superior Tribunal de Justiça, a teor da Súmula 122. O motivo: a competência federal vem expressamente definida, ao contrário da estadual, que seria residual.
É dito na Súmula 704 do STF: “Não viola as garantias do juiz natural, da ampla defesa e do devido processo legal a atração por continência ou conexão do processo do corréu ao foro por prerrogativa de função de um dos denunciados”.
Conexão pressupõe a pluralidade dos fatos e a continência pressupõe a unidade do fato. No artigo 76 do CPP, que trata da conexão, o traço fundamental para a conexão é estabelecido pela existência de dois ou mais fatos, dos quais resultam duas ou mais infrações, que são interligadas por um vínculo causal de ordem penal(I e II) ou entrelaçadas por um liame de cunho precipuamente processual(III) que aconselha a junção dos processos. O suporte da continência(artigo 77, I e II) está na existência de um único fato gerador de uma ação. Tanto a conexão como a continência são conhecidas causas de modificação da competência.
Estudemos as formas de conexão:
1) Conexão intersubjetiva(artigo 76, I, Código de Processo Penal), onde há infrações penais interligadas que devem ser praticadas por 2(duas) ou mais pessoas:
1.1.Conexão intersubjetiva por simultaneidade: na hipótese, ocorrem várias infrações praticadas ao mesmo tempo por várias pessoas reunidas que não estão de forma prévia acordadas;
1.2.Conexão intersubjetiva concursal: ocorre quando várias pessoas, previamente acordadas, praticam várias infrações embora diverso o tempo e o lugar;
1.3.Conexão intersubjetiva por reciprocidade: ocorre quando várias infrações são praticadas, por diversas pessoas, umas contra as outras, havendo o que se chama de reciprocidade na violação de vínculo jurídico, algo que se distancia do crime de rixa, crime único.
2) Conexão objetiva, material, teleológica ou finalística(artigo 76, II, do Código de Processo Penal): ocorre quando uma infração é praticada para facilitar ou ocultar outra, ou para conseguir impunidade ou vantagem;
3) Conexão instrumental ou probatória(artigo 76, III, do Código de Processo Penal): ocorre quando a prova de uma infração ou de suas elementares influir na prova de outra infração;
A chamada conexão na fase preliminar investigatória nada mais é que uma forma de conexão instrumental, quando se dá a reunião dos inquéritos, na Polícia, com o objetivo de obter a verdade real e a melhor forma de acompanhar a investigação.
Passo à continência.
Há continência, quando 2(duas) ou mais pessoas forem acusadas pela mesma infração(coautoria) e ainda no concurso formal, erro na execução(aberratio ictus) e resultado diverso do pretendido(aberratio delicti).
Todas as condutas que têm vinculação ou ainda venham a ser ramificação daquela identificada de remessa de divisas ao exterior estão sob o crivo da Vara Federal da Seção Judiciária do Estado do Paranã, que foi identificada como competente para instruir e julgar processos que não envolvam pessoas com prerrogativa de foro(parlamentares e ministros). Quanto a esses, a competência é do Ministro do Supremo Tribunal Federal prevento para julgamento dos processos em discussão na citada operação. Se esses fatos não tiverem a mesma origem ou vínculos de conexão não há que falar na prevenção.
Na verdade, a Lava-Jato é maior do que a investigação sobre os desvios na estatal.
Como o fato em discussão tem evidentes pontos de contato com a operação em discussão com outros que levaram a prisão de Nestor Ceveró e sua condenação, por certo, o juízo competente para instruir e julgá-lo é o da Vara Federal de Curitiba onde se discutem as condutas ali objeto de investigação. Há evidente conexão desses fatos que envolveram a prisão do ex-senador com os que estão ou foram apurados na operação lava-jato. Aliás, o objeto do silêncio que se tentava impor dizia respeito aos fatos de ciência, do conhecimento e que envolviam Nestor Ceveró. É caso de conexão objetiva, material ou finalística quando a prova de uma das infrações influi na apuração de outra infração.
Será caso de ajuizamento de recurso de agravo interno a ser julgado pelo órgão fracionário competente no Supremo Tribunal Federal.


O autor é Procurador Regional da República aposentado. Professor de Processo Penal e Direito Penal. Advogado.



fonte: Blog do Fred
na íntegra
Imagem capturada em https://jus.com.br/935972-rogerio-tadeu-romano/publicacoes
n.b: os negritos são nossos

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