Contrato de Meio: Serviço Religioso Não se Cobra Resultado
Domingo, 17 de Junho de 2012
Não se pode cobrar, no plano terreno, resultados por serviços feitos no plano espiritual. A decisão é do juiz Carlos Eduardo Gomes dos Santos, da Vara Cível de Jundiaí (SP). Ele afirma que “serviços religiosos não têm comprovação científica de eficiência” e, por isso, cobrar deles resultado “significaria uma intromissão indevida na religião pessoal, o que é proibido pela Constituição Federal, que garante liberdade de expressão religiosa”.
A argumentação é peculiar, mas séria. Foi feita em caso de homem que procurou ajuda espiritual para ganhar uma ação judicial de cobrança contra o Instituto Nacional do Seguro Social. O sacerdote procurado cobrou R$ 10 mil e garantiu o sucesso.
O cliente de fato ganhou a causa, mas considerou o valor determinado pela Justiça baixo demais. Insatisfeito, pediu a devolução dos R$ 10 mil. O prestador de serviço se negou a ressarcir, pois os valores exigidos eram para cobrir seus custos e para aquisição de insumos. Nunca houve, segundo o prestador, promessa de resultado. O tomador foi à Justiça tentar reaver o dinheiro, por meio de ação de cobrança.
Meio sem fimNa interpretação do juiz, o contrato firmado entre os dois é um contrato de meio, em que não se pode esperar resultado certo. É a mesma situação de um médico. O serviço é contratado na esperança da cura, mas, caso ela não ocorra, não se pode responsabilizar unicamente o profissional. O que é contratado, tanto no caso do médico quanto do pai de santo, é o serviço e não o resultado.
O fato de o caso se referir ao plano espiritual complica ainda mais a situação do autor da ação. “Sob este ponto de vista, a possibilidade de se obter o pedido nestes serviços espirituais fica submetida à crença da pessoa, e dizer que é impossível demonstra um desrespeito com a religião de outrem”, sentenciou o juiz.
Santos acatou a argumentação do contratado. Disse que ele cumpriu com sua função de “interceder junto ao sobrenatural”. Isso, para o juiz, “basta do ponto de vista legal, para não se caracterizar eventual ilícito”.
“Portanto, havendo a realização do serviço religioso, o réu cumpriu com sua obrigação e o resultado fica restrito à fé da autora, a qual não pode ser questionada.” A ação foi julgada improcedente.
Leia abaixo a sentença:
Vistos e etc. XXXXXXXXXXXXX ajuizou ação de COBRANÇA em face de XXXXXXXXXXXXX, alegando que pagou dez mil reais ao réu para que fizesse serviços espirituais a fim de conseguir valores em atrasos em uma ação judicial em face do INSS. Porém, o resultado obtido ficou aquém do esperado, pois a indenização recebida foi quase de mesmo valor dos trabalhos. Pediu a devolução dos valores, mas o réu recusou, o que a motivou a ingressar com a presente ação, para reaver o dinheiro. Juntou documentos às fls. 06/18. Em audiência, não houve conciliação (fls. 27). O réu contestou a ação alegando ilegitimidade ativa e o sucesso nos trabalhos espirituais para obtenção da indenização, e a ocorrência de discordância da ré, porque em outros trabalhos não obteve o sucesso almejado. Afirmou que os valores cobrados eram destinados à aquisição de objetos para os serviços, que foram prestados sem garantia de resultado final. Juntou documentos às fls. 33/48. Durante a instrução, foram duas testemunhas (fls. 57/61) e as partes reiteraram seus dizeres anteriores. É o relatório.
Fundamento e decido.
Preliminar. O réu é parte legítima porque há documentos demonstrando que recebeu o dinheiro, o que mostra ser ele o responsável por eventual devolução. A ação é improcedente. O contrato discutido nos autos é tipicamente de meio, inclusive com amparo constitucional. É notório que os serviços religiosos não tem comprovação científica de eficiência, pois não são feitos conforme as regras da ciência, mas sim de acordo com a crença da pessoa. Por este motivo, não se pode exigir a ocorrência do resultado, porque isto significaria uma intromissão indevida na religião pessoal, o que é proibido pela Constituição Federal, que garante a liberdade de expressão religiosa. Sob este ponto de vista, a possibilidade de se obter o pedido nestes serviços espirituais fica submetida à crença da pessoa, e dizer que é impossível demonstra um desrespeito com a religião de outrem. Além deste aspecto do resultado, ficou demonstrado nos autos que o réu realizou os serviços, cumprindo sua obrigação de meio de interceder junto ao sobrenatural, o que basta do ponto de vista legal, para não se caracterizar eventual ilícito. Portanto, havendo a realização do serviço religioso, o réu cumpriu com sua obrigação e o resultado fica restrito à fé da autora, a qual não pode ser questionada.
Diante do exposto, e do mais que dos autos consta, JULGO IMPROCEDENTE A AÇÃO. Devido à sucumbência, condeno a autora ao pagamento das custas e despesas processuais, e honorários advocatícios, que fixo por eqüidade, com base no art. 20, §4º, CPC, em R$ 700,00, devido à complexidade jurídica do processo, observando-se a Justiça Gratuita. P.R.I.
Bragança Paulista, 06 de março de 2012.
Carlos Eduardo Gomes dos Santos
Juiz de Direito.
Juiz de Direito.
Fonte:: Conjur
imagem ilustrativa de escola-dominical.com
Comentários
Postar um comentário