STJ decide que Igreja é parte legítima para defender propriedade registrada em nome de santo
Quarta Feira, 03 de Junho de 2015
Um terreno doado a São Sebastião pertence à Igreja Católica. A decisão é da Terceira Turma do Superior Tribunal de Justiça (STJ), que refutou o argumento segundo o qual a Mitra Diocesana não poderia agir no processo por falta de autorização para representar os interesses do santo. Para os ministros, a doação a santo presume-se que é feita à igreja, uma vez que, nas declarações de vontade, vale mais a intenção do que o sentido literal da linguagem. Essa é a regra do artigo 112 do Código Civil (CC).
Nascido no século 3 na cidade francesa de Narbonne, primeira colônia romana fora da Itália, São Sebastião é o santo defensor da igreja. Sua generosidade, amplamente reconhecida entre os católicos, foi retribuída por fiéis com a doação de um terreno no município de Paracatu (MG).
A área de 350 hectares, dentro da fazenda Pouso Alegre, foi registrada em nome do próprio São Sebastião, em 1930. A Mitra Diocesana de Paracatu vendeu grande parte do imóvel, reservando 45 hectares onde estão localizados a igreja de São Sebastião, um cemitério centenário e uma escola. A igreja, atualmente, está sendo restaurada pelo Patrimônio Histórico Nacional e por fiéis.
Na década de 90, um casal conseguiu na Justiça a retificação da área da fazenda para incluir os 45 hectares de São Sebastião. A Mitra ajuizou ação de anulação da retificação. O juiz de primeira instância, considerando “induvidoso que a Igreja Católica, por meio de seu bispo diocesano, representa os interesses dos santos no plano terreno”, afastou a alegação de ilegitimidade ativa da Mitra e declarou nula a retificação de área, decisão mantida pelo tribunal estadual.
Sem autorização
No recurso ao STJ, o casal contestou a possibilidade de São Sebastião receber doações e a legitimidade da Mitra para representá-lo. Citando o artigo 6º do CC, alegou que “ninguém poderá pleitear, em nome próprio, direito alheio, salvo quando autorizado por lei”.
Argumentou que o CC não faz qualquer alusão aos santos como pessoas naturais ou jurídicas dotadas de capacidade civil. “Não há como pleitear direito de uma figura que não é reconhecida no ordenamento jurídico”, afirmou, ao classificar o santo como “absolutamente incapaz”.
“Ainda que se pudesse incluir os santos no rol das pessoas capazes, não existe nos autos qualquer autorização legal para que a recorrida represente o aludido santo”, completou o advogado do casal.
Ele alegou também que o título de transferência da propriedade ao santo seria nulo porque não observou a forma prescrita nos artigos 166 do CC e 176 da Lei 6.015/73 (Lei de Registros Públicos).
Código Canônico
Para o relator do recurso, ministro João Otávio de Noronha, a regra do artigo 112 do CC autoriza a compreensão de que “quem doa ao santo está, na realidade, doando à igreja”. E de acordo com o artigo 393 do Código Canônico, “em todos os negócios jurídicos da diocese, é o bispo diocesano quem a representa”.
Noronha destacou que a Lei de Registros Públicos, editada em 1973, não se aplica a fatos passados, ocorridos em 1930, ano do registro da propriedade. Além disso, o acolhimento do pedido dos recorrentes geraria uma situação que o relator classificou como curiosa: “Se, eventualmente, fosse declarada a nulidade do título aquisitivo da área registrada em nome do santo São Sebastião, todos os registros subsequentes seriam atingidos, inclusive o dos recorrentes, uma vez que a área retificanda tem origem na própria fazenda Pouso Alegre, outrora pertencente ao santo.”
O ministro observou ainda que ficou demonstrada no processo a falta de citação de alguns vizinhos quando foi proposta a ação de retificação de área, “circunstância suficiente para a declaração de procedência do pedido de nulidade”.
fonte: Correio Forense
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