Opinião: O Supremo Poder de errar por último.
Domingo, 12 de Dezembro de 2021
Por Moacir Leopoldo Haeser *
Na década de 1990 eu atuava na 4ª Câmara Cível do extinto Tribunal de Alçada do RS. Como os grupos eram divididos conforme a competência, cabia à nossa câmara julgar recursos de processos que envolviam matéria bancária.
Sou técnico em contabilidade, podendo até assinar balanços. Antes de ingressar na magistratura, trabalhei em escritório de contabilidade e em dois bancos, sempre na área de cadastro, tendo como atribuição análises de balanços e perícias contábeis para concessão de crédito. Tinha tanta facilidade nessa área que inventava meus próprios índices de análise e me divertia olhando balanços nos jornais de domingo.
Julgar recursos nessa matéria, portanto, para mim era fácil, criando precedentes que pautaram, inclusive, a jurisprudência do STJ na época – até que foi nomeado ministro o chefe do departamento jurídico de um grande banco.
Decidia-se sobre limite de juros, capitalização, correção monetária e comissão de permanência, créditos rotativos, cheques garantidos, taxas de juros e taxas de desconto, correção dos financiamentos habitacionais, etc. Bacharéis em direito geralmente não gostam de lidar com números e odeiam essa matéria.
Lembro de um julgamento em que os colegas do Grupo discutiam a controvérsia na questão da limitação dos juros. Ao votar pedi para olhar o título em execução. A discussão era inútil e a decisão da Câmara equivocada, pois não se tratava de juros, mas de desconto de uma duplicata. Sugeri a anulação do acordão e o retorno do processo à Câmara de origem.
A jurisprudência consolidada no Grupo era a limitação dos juros a 12% ao ano como previsto expressamente no art. 192, §3º, da Constituição Federal. A disposição era clara e expressa: “As taxas de juros reais, nelas incluídas comissões e quaisquer outras remunerações direta ou indiretamente referidas à concessão de crédito, não poderão ser superiores a doze por cento ao ano; a cobrança acima deste limite será conceituada como crime de usura, punido, em todas as suas modalidades, nos termos que a lei disciplinar."
Nossos acórdãos era sistematicamente reformados pelo STF ao argumento de que afrontavam a Constituição. Segundo a tese, essa disposição deveria ser regulamentada pelo Congresso Nacional que, por várias vezes, foi declarado em mora pelo STF, até a disposição ser revogada pela Emenda Constitucional nº 40, de 2003, sem entrar em vigor.
Nunca uma disposição foi tão clara e, se houvesse de ser regulamentada, jamais poderia admitir fosse superior a doze por cento.
Nossos acórdãos, no entanto, segundo o STF, afrontavam a Constituição... por aplicarem a Constituição!
Mais recentemente tivemos decisões que causam espanto.
Sem entrar no mérito de políticas afirmativas, invocadas em favor de minorias, área do Congresso Nacional, difícil admitir decisão judicial em favor de uniões homo afetivas quando a Constituição é expressa ao dispor sobre a união entre um homem e uma mulher.
Da mesma forma quando admite o aborto e cria quotas com base na origem genética, ou até de sexo, ignorando o princípio de que todos são iguais perante a lei, vedada qualquer discriminação.
Não há dúvida que o STF usurpa a competência legislativa.
Erro crasso, de quem não tem o cacoete de julgar, quando, interpretando equivocadamente a Constituição, que equiparava “na forma da lei”, estabeleceu que a pensão da viúva deveria ser igual ao que perceberia o falecido, se vivo fosse.
Por fim, é vítima, investiga, acusa e julga, tudo sem qualquer suspeição ou impedimento, e cria regras com aplicação retroativa!
No dizer do senador Ruy Barbosa, em aparte à um discurso de seu colega Pinheiro Machado, que criticava uma decisão, o STF é tão importante, que pode se dar ao luxo de errar por último.
Pior é se adquire o hábito de errar, usurpando poderes legislativos, estabelecendo-se o império do arbítrio, seja por ideologia, interesses outros ou má composição, pois deveria ser composto pelos melhores juízes.
* O autor ė desembargador aposentado do TJ-RS
Fonte: Texto extraído na íntegra de
https://www.espacovital.com.br/publicacao-39515-o-supremo-poder-de-errar-por-ultimo
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