Artigo: O Consumidor e a lei do superendividamento
Domingo, 05 de Setembro de 2021
Tom Oliveira,
Meus amigos,
Em 1º de julho, foi finalmente sancionada a Lei nº 14.181/2021, já denominada de Lei do Superendividamento, fruto de um longo debate na sociedade brasileira, que ansiava por um regramento mais específico para as situações de concessão de crédito nas relações de consumo. Porque como é sabido, há aqueles consumidores onde a dívida supera o patrimônio da pessoa. É o inadimplente entrando para a insolvência. Na prática, a Lei 14.181/21 traz uma maior transparência aos consumidores, impondo, tanto no fornecimento de crédito quanto na venda a prazo, a obrigação de prestação de informação detalhada do contrato, inclusive sobre riscos, cuja inobservância desse dever "poderá acarretar judicialmente a redução dos juros, dos encargos ou de qualquer acréscimo ao principal e a dilação do prazo de pagamento previsto no contrato original, conforme a gravidade da conduta do fornecedor e as possibilidades financeiras do consumidor, sem prejuízo de outras sanções e de indenização por perdas e danos, patrimoniais e morais, ao consumidor".
Neste sentido, as Administradoras de cartões de Crédito possuem papel importante nesse endividamento, e os negócios jurídicos pactuados entre as administradoras de cartões e seus consumidores deverão imediatamente observar os preceitos, na medida em que assim determina o seu artigo 3º da lei 14.181/2021. Além da possibilidade de uma "recuperação judicial" da pessoa natural, com vistas a uma razoável renegociação das dívidas, a nova lei é inovadora também ao dispor sobre a garantia do mínimo existencial, protegendo uma quantia mínima da renda do indivíduo endividado, para garantir a sua dignidade, enquanto pessoa humana. Aliás, serve como exemplo o caso do crédito consignado, que surgiu com a ideia de democratizar o crédito: o limite de comprometimento para tal modalidade de financiamento, que era de 30% da renda, a chamada margem consignável no contracheque, acabou elevado para 35%, reservando-se 5% exclusivamente para saque no cartão de crédito consignado (atual e temporariamente, os limites são de 40%, mantidos os 5% para cartão consignado, nos moldes da Lei 14.131/2021, em virtude da pandemia). No tocante ao uso do Cartão de crédito, persiste o bom senso: evite pagar o valor mínimo que consta da fatura, tendo em vista que incidirão juros e correção sobre O " valor em aberto " , o que pode comprometer o limite do cartão.
Mais do que endividados, segundo o regramento da nova lei, grande parcela dos consumidores do Brasil estão superendividados, tornando-se pessoas em hipervulneráveis carentes de atenção do estado tal e qual as crianças, os idosos, os portadores de deficiência, os analfabetos e aqueles que apresentam enfermidades que possam ser manifestadas ou agravadas pelo consumo de produtos ou serviços livremente comercializados e que se mostram inofensivos à maioria das pessoas. Os motivos para que o consumidor se torne um superendividado e hipervulnerável são de natureza diversa, vão desde causas imprevisíveis, como uma situação de doença ou desemprego, ou mesmo uma compra ou contratação de um serviço de forma impensada ou deficiência informacional. Os mais atingidos, como dito, são os idosos, os portadores de deficiência e os analfabetos que se mostram mais suscetíveis aos abusos cometidos nas relações de consumo realizando empréstimos, principalmente, em consignação.
O fenômeno, é verdade, tem muito a ver com essa democratização do crédito. É crucial que a pessoa reconheça a sua condição de superendividado, consoante o disposto no artigo 6º, para a revisão e repactuação de dívidas, na forma que dispõe a nova legislação:
"Artigo 104-A — A requerimento do consumidor superendividado pessoa natural, o juiz poderá instaurar processo de repactuação de dívidas, com vistas à realização de audiência conciliatória, presidida por ele ou por conciliador credenciado no juízo, com a presença de todos os credores de dívidas previstas no artigo 54-A deste Código, na qual o consumidor apresentará proposta de plano de pagamento com prazo máximo de cinco anos, preservados o mínimo existencial, nos termos da regulamentação, e as garantias e as formas de pagamento originalmente pactuadas.
§1º Excluem-se do processo de repactuação as dívidas, ainda que decorrentes de relações de consumo, oriundas de contratos celebrados dolosamente sem o propósito de realizar pagamento, bem como as dívidas provenientes de contratos de crédito com garantia real, de financiamentos imobiliários e de crédito rural.
§2º O não comparecimento injustificado de qualquer credor, ou de seu procurador com poderes especiais e plenos para transigir, à audiência de conciliação de que trata o caput deste artigo acarretará a suspensão da exigibilidade do débito e a interrupção dos encargos da mora, bem como a sujeição compulsória ao plano de pagamento da dívida se o montante devido ao credor ausente for certo e conhecido pelo consumidor, devendo o pagamento a esse credor ser estipulado para ocorrer apenas após o pagamento aos credores presentes à audiência conciliatória.
§3º No caso de conciliação, com qualquer credor, a sentença judicial que homologar o acordo descreverá o plano de pagamento da dívida e terá eficácia de título executivo e força de coisa julgada.
§4º Constarão do plano de pagamento referido no §3o deste artigo:
I — medidas de dilação dos prazos de pagamento e de redução dos encargos da dívida ou da remuneração do fornecedor, entre outras destinadas a facilitar o pagamento da dívida;
II — referência à suspensão ou à extinção das ações judiciais em curso;
III — data a partir da qual será providenciada a exclusão do consumidor de bancos de dados e de cadastros de inadimplentes;
IV — condicionamento de seus efeitos à abstenção, pelo consumidor, de condutas que importem no agravamento de sua situação de superendividamento.
§5º O pedido do consumidor a que se refere o caput deste artigo não importará em declaração de insolvência civil e poderá ser repetido somente após decorrido o prazo de dois anos, contado da liquidação das obrigações previstas no plano de pagamento homologado, sem prejuízo de eventual repactuação.
Artigo 104-B — Se não houver êxito na conciliação em relação a quaisquer credores, o juiz, a pedido do consumidor, instaurará processo por superendividamento para revisão e integração dos contratos e repactuação das dívidas remanescentes mediante plano judicial compulsório e procederá à citação de todos os credores cujos créditos não tenham integrado o acordo porventura celebrado.
§1° Serão considerados no processo por superendividamento, se for o caso, os documentos e as informações prestadas em audiência.
§2º No prazo de 15 dias, os credores citados juntarão documentos e as razões da negativa de aceder ao plano voluntário ou de renegociar.
§3º O juiz poderá nomear administrador, desde que isso não onere as partes, o qual, no prazo de até 30 dias, após cumpridas as diligências eventualmente necessárias, apresentará plano de pagamento que contemple medidas de temporização ou de atenuação dos encargos.
§4º O plano judicial compulsório assegurará aos credores, no mínimo, o valor do principal devido, corrigido monetariamente por índices oficiais de preço, e preverá a liquidação total da dívida, após a quitação do plano de pagamento consensual previsto no artigo 104-A deste código, em, no máximo, cinco anos, sendo que a primeira parcela será devida no prazo máximo de 180 dias, contado de sua homologação judicial, e o restante do saldo será devido em parcelas mensais iguais e sucessivas.
Artigo 104-C — Compete concorrente e facultativamente aos órgãos públicos integrantes do Sistema Nacional de Defesa do Consumidor a fase conciliatória e preventiva do processo de repactuação de dívidas, nos moldes do artigo 104-A deste código, no que couber, com possibilidade de o processo ser regulado por convênios específicos celebrados entre os referidos órgãos e as instituições credoras ou suas associações.
§1º Em caso de conciliação administrativa para prevenir o superendividamento do consumidor pessoa natural, os órgãos públicos poderão promover, nas reclamações individuais, audiência global de conciliação com todos os credores e, em todos os casos, facilitar a elaboração de plano de pagamento, preservado o mínimo existencial, nos termos da regulamentação, sob a supervisão desses órgãos, sem prejuízo das demais atividades de reeducação financeira cabíveis.
§2º O acordo firmado perante os órgãos públicos de defesa do consumidor, em caso de superendividamento do consumidor pessoa natural, incluirá a data a partir da qual será providenciada a exclusão do consumidor de bancos de dados e de cadastros de inadimplentes, bem como o condicionamento de seus efeitos à abstenção, pelo consumidor, de condutas que importem no agravamento de sua situação de superendividamento, especialmente a de contrair novas dívidas".
Doravante, o cidadão já pode contar com essa nova lei para recuperar-se das dívidas, mas, ao precisar de crédito, é importante compreender o que de fato está escrito nos contratos que assina, nunca assinar folhas em branco, nem deixar espaços vazios no documento e, tendo dúvidas, consultar um bom advogado consumerista. A boa notícia é que a lei do Superendividamento já é aplicada pela Justiça de São Paulo - TJSP que, em decisão de 16 de julho passado, o juiz Pedro Paulo Maillet Preuss, da 1ª Vara do Juizado Especial Cível do Foro Regional VIII - Tatuapé, usou a Lei do Superendividamento para afastar a alegação de ilegitimidade passiva de uma instituição de crédito e financiamento, incluída no polo passivo de uma ação de rescisão contratual junto com uma construtora e, com isso, reformando a decisão anterior e concluindo pela legitimidade passiva da instituição de crédito e financiamento.
Clique no link abaixo para ler a lei do superendividamento
https://www2.camara.leg.br/legin/fed/lei/2021/lei-14181-1-julho-2021-791536-norma-pl.html
* O autor é promotor de justiça aposentado, tendo atuado no Decom e Procon do MP-PI
fontes: https://www.conjur.com.br/2021-ago-18/garantias-consumo-lei-1418121-cartao-credito-consignado
https://www.conjur.com.br/2021-ago-07/gouvea-lei-ajuda-cidadaos-recuperar-superdividas
https://www.conjur.com.br/2021-set-03/lei-superendividamento-aplicada-justica-sao-paulo
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