Artigo: As Forças Armadas devem obediência à Constituição Federal e sua participação em conflitos internos é regulamentada pela GLO

Segunda Feira, 08 de Junho de 2020



Tom Oliveira *


Meus amigos,

Depois que que o jurista Ives Gandra da Silva Martins afirmou que, em caso de conflito entre o Executivo e qualquer dos outros dois Poderes (Legislativo e Judiciário), em que haja invasão de atribuições, os líderes militares poderiam atuar como moderadores, a celeuma ganhou contornos políticos e debates jurídicos. Em artigo pulicado em Conjur, diz - e defende - o septuagenário jurista:

Minha interpretação, há 31 anos, manifestada para alunos da universidade, em livros, conferências, artigos jornalísticos, rádio e televisão é que NO CAPÍTULO PARA A DEFESA DA DEMOCRACIA, DO ESTADO E DE SUAS INSTITUIÇÕES, se um Poder sentir-se atropelado por outro, poderá solicitar às Forças Armadas que ajam como Poder Moderador para repor, NAQUELE PONTO, A LEI E A ORDEM, se esta, realmente, tiver sido ferida pelo Poder em conflito com o postulante."

Esta posição do jurista  ganhou notoriedade quando com a sugestão divulgou-se o vídeo da reunião ministerial do dia 22 de abril e nele se via e ouvia Bolsonaro defender  uma intervenção militar constitucional . Nesta oportunidade,  Bolsonaro fez menção ao art. 142 da Carta Magna como suposta autorização constitucional para que as Forças Armadas “intervenham para restabelecer a ordem no Brasil”, talvez incentivado por bolsonaristas que, dias antes, fizeram manifestação manifestação pró-regime militar em Brasília, e na qual Bolsonaro esteve presente.

Juristas de todos os quadrantes deste Brasil afora, eu, inclusive, opinaram CONTRA a opinião de Ives Gandra.

Inconstitucionalidade:


No parecer, assinado por Felipe Santa Cruz, Marcus Vinicius Furtado Coêlho e Gustavo Binenbojm, 3 advogados conceituados,  destaca-se que o sentido de “garantia da lei e da ordem” presente no art. 142, caput, da Constituição Federal, “já tem uso consolidado na prática, equivalendo às operações em resposta a graves situações de perturbação da ordem, quando há o esgotamento das forças tradicionais de segurança pública”.
Com isso, em nada guarda relação com a intervenção em outros Poderes, como inadequadamente sugerido pelos defensores da figura da intervenção militar constitucional. E não apenas isso. Tem-se, nos termos da legislação de regência, que a “garantia da lei e da ordem” será sempre desempenhada com limites claros no ato de autorização redigido pelo Presidente da República e contará com rigoroso e amplo controle legislativo e jurisdicional.
De acordo com o documento, compreender que as Forças Armadas poderiam intervir nos Poderes Legislativo e Judiciário para a preservação das competências constitucionais “estaria em evidente incompatibilidade com o art. 2º, da Constituição Federal, que dispõe sobre a separação dos poderes”.
Afinal, com isso, estabelecer-se-ia uma hierarquia implícita entre o Poder Executivo e os demais Poderes quando da existência de conflitos referentes a suas esferas de atribuições.
A tese defendida por Ives Gandra é totalmente descabida e foi rechaçada por todos os constiucionalistas pátrios 
Raul Jungmann, advogado, ex-ministro da Defesa, exxplica a questão: : ' "Em todo e qualquer conflito entre Poderes, a última palavra, constitucionalmente, é do Judiciário. Não tem o menor cabimento essa interpretação. É um juízo enviesado, que presta um desserviço à democracia. Militares não podem agir autonomamente, eles têm que agir a pedido de algum dos Poderes. No caso de haver um conflito entre Poderes, entre um Poder chamar as Forças Armadas e o outro não chamar, a última instância que interpreta a Constituição é exatamente o STF. Por que existe a Justiça senão para dirimir conflitos?", questiona, ressaltando que Exército, Marinha e Aeronáutica não embarcariam em um golpe, como tem sido aventado por alguns devido ao grande número de militares no governo Jair Bolsonaro.
 Para Lênio Luiz Streck, a ocasião da participação das Forças Armadas já está regulamentada pela GLO, que tem justamente o nome de Garantia da Lei e da Ordem, bem assim como diz o artigo 142 (basta ver a LC 97/99 e o Decreto 3.897). Simples assim. Ademais, há sempre possibilidade de rigoroso e amplo controle legislativo e jurisdicional. 

Os problemas da tese de Ives Gandra


Segundo Cláudio Ladeira de Oliveira e Isaac Kofi Medeiros dizem, inicialmente que a figura do Poder Moderador não existe na República brasileira. Já existiu, é bem verdade, na Constituição Imperial de 1824. Após 196 anos, cá estamos nós relembrando que isso não só não existe mais, como também é incompatível com a forma republicana de separação de Poderes. Resumidamente, podemos dizer que fundamento de legitimidade dos Poderes é a soberania popular. Afinal, “Todo o poder emana do povo, que o exerce por meio de representantes eleitos ou diretamente, nos termos desta Constituição”, conforme o parágrafo único do artigo 1º da Constituição Federal.

Em maior (Executivo e Legislativo) ou menor (Judiciário) medida, os Poderes da República retiram da soberania popular a legitimidade para exercerem suas funções, não havendo espaço constitucional para o exercício de poder baseado pura e simplesmente na ameaça do uso da força ou instrumento equivalente. Deralhe: As Forças Armadas não são um Poder, mas integrm o Poder Executivo Federal na forma do disposto no artigo 76 da CF e, mais ainda, podem ser acionadas pelo Legislativo e Judiciário.
A nossa Constituição está estruturada na tripartição de Montesquieu,  de modo que a moderação dos conflitos nesse nível de poder sucede a partir dos próprios conflitos (freios e contrapesos), pois não há instância superior capaz de moderá-los. Assim sendo, os conflitos institucionais devem ser resolvidos internamente entre os três Poderes, através dos mecanismos constitucionais adequados, como aplicação da lei (Judiciário), poder de veto (Executivo), edição de decreto (Executivo), suspensão de decretos (Legislativo), alteração da lei (Legislativo) e assim por diante. Cada um dentro de suas atribuições garantidas pela Constituição. Mas, havendo conflitos entre Poderes, dever-se-ia  solicitar ajuda das Forças Armadas com base no artigo 142 para “repor pontualmente a lei e a ordem” – mais uma vez, palavras do professor Ives Gandra, dando-se ao Comandante das Forças Armadas a tarefa de solucionar o imbróglio por ser, em tese, a única parte neutra .
Neste particular, a tese do jurista colide radicalmente com o fundamento central daquilo que ela pretende defender, pois a razão de ser histórica da separação de Poderes é evitar o acúmulo excessivo de poder nas mãos de uma instituição.
A pretexto de defender um equilíbrio, o professor Ives Gandra acaba por oferecer uma fórmula na qual uma única instituição recebe um acúmulo de poder imenso e extraordinário, acima dos órgãos de cúpula da República. Lênio Streck, procurador de justiça aposentado do MP-RS, advogado e jurista, dirime a questão:
" Ele ( Ives Gandra ) afirma o que gostaria que dissesse o artigo 142 da CF, e ainda faz uma leitura fatiada, desprezando o princípio da Unidade Constitucional, que exige que a interpretação da Constituição seja feita tomando a carta como um todo, e é certo que ela não permite intervenção militar: Pelo contrário, o constituinte escreveu que todo poder emana do povo, pelo povo", afirma Streck, que é professor Titular de direito Constitucuonal na Universidade do Vale do Rio dos Sinos ( Unisinos ).
E arremata o novel jurista, Lênio Streck:
" O pior de tudo é termos que insistir no fato de que a interpretação do Direito não comporta relativismos. Ora, se o artigo 142 pudesse ser lido desse modo, a democracia estaria em risco a cada decisão do STF e bastaria uma desobediência de um dos demais Poderes. A democracia dependeria dos militares e não do poder civil. Seria um haraquiri institucional.


*  O autor é editor do blog e promotor de justiça aposentado



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