Artigo: " Justiça para além dos números "
Terça Feira, 07 de Dezembro de 2015
Por Alexandre Jorge Carneiro da Cunha Filho *
Como reflexo dessa visão da atividade judicial, que nesse sentido se aproximaria de uma singela linha de montagem, em que lides seriam passíveis de soluções mais ou menos padronizadas a serem aplicadas mecanicamente pelo julgador, houve introdução em nossa legislação processual de uma "inovação" alvissareira para a consolidação do fordismo como método de funcionamento daquele que ainda resiste na sua pretensão de permanecer como um dos poderes da República: o julgamento de casos em ordem cronológica. A cada nova divulgação de números referentes ao Judiciário pelo Conselho Nacional de Justiça[i], a crítica especializada (ou não) tece suas considerações sobre como os juízes e tribunais de todo o país devem fazer para enfrentar o acervo crescente de feitos que se acumulam nos escaninhos da Justiça. Não raramente nos deparamos com experts que afirmam como principal meta para nosso sistema judicial o julgamento, em determinado lapso de tempo, de mais processos do que os que são propostos por aqueles que buscam a defesa de seus direitos em juízo.
A eficiência do Judiciário pode se resumir a isso? Um juiz eficiente é o que tem a aptidão para produzir um maior número de sentenças em um espaço menor de tempo? Poderíamos confiar na unidade "sentenças por minuto" como padrão adequado para mensurar a efetividade da prestação jurisdicional?
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[i] No relatório publicado pelo CNJ em 2015, tendo por ano base 2014, foi constatado no país um "estoque de 70,8 milhões de processos, que tende a aumentar devido ao total de processos baixados ter sido inferior ao de ingressados" em tal exercício (p. 34 do documento, que pode ser baixado no site http://www.cnj.jus.br/ [09/11/15, às 20:30].
Como reflexo dessa visão da atividade judicial, que nesse sentido se aproximaria de uma singela linha de montagem, em que lides seriam passíveis de soluções mais ou menos padronizadas a serem aplicadas mecanicamente pelo julgador, houve introdução em nossa legislação processual de uma "inovação" alvissareira para a consolidação do fordismo como método de funcionamento daquele que ainda resiste na sua pretensão de permanecer como um dos poderes da República: o julgamento de casos em ordem cronológica. A cada nova divulgação de números referentes ao Judiciário pelo Conselho Nacional de Justiça[i], a crítica especializada (ou não) tece suas considerações sobre como os juízes e tribunais de todo o país devem fazer para enfrentar o acervo crescente de feitos que se acumulam nos escaninhos da Justiça. Não raramente nos deparamos com experts que afirmam como principal meta para nosso sistema judicial o julgamento, em determinado lapso de tempo, de mais processos do que os que são propostos por aqueles que buscam a defesa de seus direitos em juízo.
Como se todos os conflitos fossem iguais em gravidade e complexidade, estes, salvo insuficientes exceções, são equiparados pelo novo Código de Processo Civil, que obriga o julgador, cuja missão envolve (ou deveria envolver) estudo e reflexão, a apreciá-los um a um, conforme a data e hora que estes aportem em sua mesa.
A eficiência do Judiciário pode se resumir a isso? Um juiz eficiente é o que tem a aptidão para produzir um maior número de sentenças em um espaço menor de tempo? Poderíamos confiar na unidade "sentenças por minuto" como padrão adequado para mensurar a efetividade da prestação jurisdicional?
Como vem sendo pertinentemente apontado por algumas vozes abalizadas, a discussão sobre o bom funcionamento da função de julgar passa pelo estudo do fenômeno da litigiosidade predatória, com o uso abusivo do aparato vocacionado para solução de controvérsias por alguns atores renitentes, em especial prestadores de serviços públicos e (pasme-se) a própria Administração Pública.
Em vez de se exigir do poder Executivo uma postura republicana, preocupada com sua própria razão de ser, com o que é incompatível o uso do Judiciário como instrumento para retardar prestações e pagamentos devidos aos cidadãos, busca-se engessar o magistrado no desempenho de suas atribuições.
No lugar de se cobrar das agências reguladoras pronta atuação na fiscalização de prestadores de serviços públicos, com imposição de multas expressivas em caso de reiteração de práticas abusivas, exige-se do julgador mais e mais "produtividade" na solução de lides idênticas, cujas causas não são alcançadas por ações que versam exclusivamente sobre direitos individuais.
Mesmo para quem seja desprovido do dom da clarividência, não é difícil imaginar que a "estratégia" de mais julgamentos em menos tempo não será suficiente para que a prestação jurisdicional ocorra em prazo razoável.
Há obstáculos pouco lembrados e não numerados que deveriam ser enfrentados pelas autoridades responsáveis pela formulação de políticas públicas para o nosso Poder.
A não previsão de fonte de custeio para as provas periciais em ações civis públicas (o que inclusive afeta as ações de improbidade administrativa, uma das ditas prioridades do CNJ) e valores aquém do necessário reservados pela Defensoria Pública para as mesmas provas nas demandas em que o autor é beneficiário da gratuidade são apenas duas delas.
Em que pese os números serem fundamentais para que possamos identificar gargalos para o bom desempenho da atividade dos nossos juízes, para que efetivamente possamos oferecer à sociedade um Judiciário à altura das suas necessidades é preciso ir além.
Ousaremos fazê-lo? É bom lembrar que cada passo em falso apenas agrava a já delicada situação da jurisdição em nosso país.
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[i] No relatório publicado pelo CNJ em 2015, tendo por ano base 2014, foi constatado no país um "estoque de 70,8 milhões de processos, que tende a aumentar devido ao total de processos baixados ter sido inferior ao de ingressados" em tal exercício (p. 34 do documento, que pode ser baixado no site http://www.cnj.jus.br/ [09/11/15, às 20:30].
* o autor é Juiz de Direito em São Paulo, mestre e doutorando em Direito do Estado e conselheiro da Associação Nacional dos Magistrados Estaduais (ANAMAGES).
Texto publicado originalmente no portal Jota.
fonte: Portal ANAMAGES
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n.b: os negritos são nossos
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