O formalismo que prejudica: TJ-SP absolve uma traficante, condenada em 1ª instância, porque sua prisão fôra efetuada pela Guarda Municipal e não por Policias...
Sexta feira, 14 de Janeiro de 2022
Tom Oliveira*
Meus amigos,
Vez por outra nos defrontamos com decisão judicial na qual a vontade do magistrado vale mais do que o crime cometido, propriamente dito. É o formalismo arraigado que dificulta o avanço social, embora saibamos que a doutrina mostra a saída para casos do tipo com o entendimento do princípio da Convalidação.
A mais recente destas decisões vem do Tribunal de Justiça de São Paulo. A 5ª Câmara de Direito Criminal do Tribunal de Justiça de São Paulo reformou sentença de primeiro grau e absolveu uma mulher acusada por tráfico de drogas por ter sido detida por guardas civis municiais e não por integrantes de forças policiais. A decisão considerou ilegal a revista à criminosa realizada pelos guardas.
De acordo com a decisão, o acervo probatório deve ser considerado ilícito, nos termos do inciso LVI do art. 5° da CF/88, por ofensa ao disposto no seu art. 144, visto que as diligências policiais foram realizadas por órgão que não detém competência constitucional para a investigação de crimes.
“Sob hipótese alguma, poderia tal prova – fruto de diligências investigativas realizadas em evidente desrespeito ao texto constitucional – ter sido admitida no processo e sequer poderia ter dado suporte à deflagração da ação penal.”
Relator, o desembargador Márcio Bartoli destacou que guardas civis municipais não têm competência legal para desenvolver ação pertinente à segurança pública, como policiamento preventivo, “atividade, repita-se à exaustão, por expressa previsão constitucional, exclusiva das forças policiais”. Essa é a letra fria da lei.
Entretanto, a denúncia foi recebida inicialmente pelo juiz competente processada e julgada sem que em nenhum momento o defensor da ré tenha alegado quaisquer nulidades, de forma que houve a sentença condenatória, e somente no recurso o defensor resolveu alegar o tema. Desta forma, o art. 571 do CPP elenca em quais etapas procedimentais as nulidades relativas devem ser alegadas pela parte interessada.
Art. 571. As nulidades deverão ser arguidas:
I - as da instrução criminal dos processos da competência do júri, nos prazos a que se refere o art. 406;
II - as da instrução criminal dos processos de competência do juiz singular e dos processos especiais, salvo os dos Capítulos V e Vll do Título II do Livro II, nos prazos a que se refere o art. 500;
III - as do processo sumário, no prazo a que se refere o art. 537, ou, se verificadas depois desse prazo, logo depois de aberta a audiência e apregoadas as partes;
IV - as do processo regulado no Capítulo VII do Título II do Livro II, logo depois de aberta a audiência;
V - as ocorridas posteriormente à pronúncia, logo depois de anunciado o julgamento e apregoadas as partes (art. 447);
VI - as de instrução criminal dos processos de competência do Supremo Tribunal Federal e dos Tribunais de Apelação, nos prazos a que se refere o art. 500;
VII - se verificadas após a decisão da primeira instância, nas razões de recurso ou logo depois de anunciado o julgamento do recurso e apregoadas as partes;
VIII - as do julgamento em plenário, em audiência ou em sessão do tribunal, logo depois de ocorrerem.
Há também a preclusão lógica, que se dá com a aceitação, ainda que tácita, dos efeitos do ato viciado, não praticando a conduta no sentido de invalidar o ato, conforme disciplina o inciso III do art. 572 do CPP.
Assim, o entendimento de que mesmo em casos de nulidade absoluta os atos decisórios possam ser convalidados mostra-se congruente com o princípio da instrumentalidade das formas, em que desde que se tenha atingido o objetivo, e tendo o juízo competente validade o ato não se justificaria a repetição do ato. Salvo em caso de prolação de sentença de mérito pelo juízo absolutamente incompetente.
Neste sentido, esclarecem Alexandre Cebrian e Victor Gonçalves:
“Em suma, apesar de diversos autores entenderem que a ratificação só é possível em relação a atos instrutórios e, ainda assim, no que diz respeito à incompetência relativa, o fato é que o Supremo Tribunal Federal e o Supremo Tribunal de Justiça, têm entendido que tal ratificação é viável tanto em relação a atos instrutórios como decisórios, quer se trate de incompetência relativa, quer absoluta, salvo quando se tratar de sentença de mérito.”
Dai de depreende que pelo principio da convalidação, não se declara a nulidade quando for possível suprir o defeito. O objetivo deste princípio, é tornar válido um ato processual dotado de vício. Ressalve-se que em outrora ocasião este mesmo Tribunal de Justiça ( SP ), decidira a favor da prisão efetuada por Guardas e com base no entendimento de que embora a Guarda Municipal não possua a atribuição de polícia ostensiva, mas apenas aquelas previstas no artigo144, § 8º da Constituição, mas sendo o delito de natureza permanente, ela pode efetuar a prisão em flagrante e a apreensão de objetos do crime que se encontrem na posse do agente infrator, nos termos do artigo 301 do CPP, consoante decisão da 7ª Câmara de Direito Criminal do Tribunal de Justiça de São Paulo que cassou decisão de primeira instância e recebeu uma denúncia contra dois homens por tráfico de drogas.“Nos termos do artigo 301 do Código de Processo Penal, qualquer pessoa pode prender quem esteja em flagrante delito, de modo que inexiste óbice à realização do referido procedimento por guardas municipais, não havendo, portanto, que se falar em prova ilícita no caso em tela. Precedentes” (RHC 94.061/SP, j. 19/04/2018).
Parodiando o escritor Fernando Sabino, dura lex sed latex ( a lei é dura, mas estica ). Este é o Brasil
* O autor é promotor de justiça aposentado e editor do blog
1500390-78.2021.8.26.0544
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