Artigo: PEC da Revelância prejudicará os mais carentes de prestação jurisdicional, os vulnerávais
Domingo, 07 Novembro de 2021
Meus amigos,
A Cochichina, localizada no extremo Sul do Vietnã, bem distante, com o nome atual de Nam Ky) abriga a principal cidade vietnamita, Saigon (chamada desde 1979 de Hoh Chi Minh , cujo nome, Cochichina, teria sido atribuído pelos portugueses que, em suas inúmeras expedições, a descobriram. O detalhe é que já existia um outro lugar chamado Kochi, na Índia. Assim, para não dar confusão, os lusitanos (que chamavam o local indiano de Cochin), decidiram dar à “nova terra” o nome de Cochin-China. Ela fica – ou melhor, ficava – no extremo Sul do Vietnã e teve esse nome por mais de 430 anos .
Atualmente, Ho Chi Minh, a antiga Saigon, é a maior e mais populosa do Vietnã. Rebatizada em homenagem ao antigo presidente do país, que faleceu no decorrer da guerra contra os americanos, a cidade de Ho Chi Minh é hoje o grande centro financeiro e econômico do Vietnã unificado e que já foi chamado antigamente de Cochichina.
O que isso tem a ver com a pec da relevância ?
Explicaremos :
Como já é sabido de todos, essa semana tivemos a notícia da PEC DA RELEVÂNCIA que, após quatro anos de tramitação, teve aprovação no Senado Federal, exatamente na quarta-feira, 3, em dois turnos. Lembro que essa a PEC 10/17 - conhecida como PEC da Relevância -, cria um filtro para a admissão dos recursos especiais que serão julgados pelo STJ. Foram 69 votos favoráveis no primeiro turno e 70 no segundo, sem votos contrários. O STF já tem o seu ( filtro ), chamado de Repercussão Geral.
Agora vamos aos detalhes: o texto aprovado altera a redação do artigo 105 da Constituição para criar mais um requisito de admissibilidade do recurso especial: a exigência de demonstração da relevância da questão jurídica discutida. de acordo com a proposta, a admissão do recurso somente poderá ser recusada pela manifestação de dois terços dos integrantes do colegiado competente para o julgamento.
"O STJ somente julgará os recursos cujo tema tenha relevância jurídica capaz de justificar o pronunciamento da instância superior, evitando-se o julgamento de questões que afetam apenas o interesse das partes, sem maiores implicações na interpretação do direito federal", explicou Humberto Martins, presidente do Superior Tribunal de Justiça, o segundo mais importante Órgão na hierarquia do judiciário pátrio.
O artigo 105 passa a ter a seguinte redação, ( se aprovado na Câmara dos deputados, para onde foi reeenviado ):
§ 1º – No recurso especial, o recorrente deverá demonstrar a relevância das questões de direito federal infraconstitucional discutidas no caso, nos termos da lei, a fim de que o Tribunal examine a admissão do recurso, somente podendo recusá-lo pela manifestação de dois terços dos membros do órgão competente para o julgamento.
Alega-se que o STJ vem recebendo cada vez mais recursos processuais que discutem questões jurídicas sem repercussão para a sociedade e sem reflexos importantes na uniformização da jurisprudência nacional. Segundo o ministro Humberto Martins, a PEC da Relevância se soma a outros mecanismos legais - como o sistema dos recursos repetitivos - no objetivo de reduzir o excesso de recursos, dar mais velocidade à prestação jurisdicional, fortalecer a jurisprudência e ampliar a segurança jurídica. O imbróglio, creio, será estabelecido porque criou-se um limite de 500 salários mínimos para o valor da causa, o que transforma o STJ , conhecido como de Tribunal da Cidadania, em Corte elitista: Um processo de 500 salários para uma grande empresa é "café pequeno ", mas uma ação de, digamos, 300 salários pode ser a questão da vida de um outro litigante. Daí que existe a previsão, bastante plausível, que os maiores impactos devem ser sentidos na área cível, em questões de saúde e de consumo, mas a nova lei, se passar na Câmara, como dito acima, com a redação atual, também vai afetar casos tributários, de imprensa e administrativos, embora em menor grau. Já as ações penais terão relevância automática, mas a comparação com as questões cíveis certamente demonstrará a injustiça da medida, ficando quase impossível para os mais vulnerávais. Como justificar que, por exemplo, um caso criminal que resultou na pena de serviços comunitários por cinco finais de semana é automaticamente mais relevante do que outro de guarda de incapaz?
Lênio Streck, famoso constitucionalista, em artigo publicado no site gen jurídico, levanta a questão do que é " Relevante ". E questiona como se atribuir relevância apenas às causas de grandes dimensões do “andar de cima”; as causas da patuleia, que hoje, é bem verdade, ficam restritos às ilhas das Turmas Recursais, ficam com chance zero de serem discutidas no Tribunal da Cidadania. Ou não tem sido assim na história da República? A respeito, escrevi há alguns dias, diz Lênio, uma crítica à proposta de alteração da Resolução 75 do CNJ e à consequente inclusão de matérias como pragmatismo, análise econômica do direito e economia comportamental nos concursos de juiz. E aqui é que a porca torce o rabo: Caso tal alteração curricular ocorra em definitivo e a PEC objeto deste texto seja aprovada, teremos, portanto, magistrados consequencialistas a interpretar o conceito de relevância. Se a PEC trata de questões funcionais, Streck questiona os problemas estruturais ( do stj ), entre os quais o pouco número de ministros:
" A PEC trata de um problema, digamos assim, funcional. Mas, e o que dizer dos problemas estruturais? Por que, a propósito, não se pensa, por exemplo — e já no meu Jurisdição Constitucional e Hermenêutica, em 1999 eu tratava desse ponto — em aumentar o número de integrantes do STJ. Para registro, o órgão similar ao STJ na Itália possui 350 membros, em um país com um terço da população do Brasil. Em Portugal, com população do tamanho do RS, o STJ (lá tem essa sigla igual) possui 60 integrantes. Isso não quer dizer nada a nós, brasileiros? E isso não é violar a Lei de Hume: meu argumento de valor até aqui é claríssimo. Uma Corte com o dobro dos integrantes não seria um passo importante na prestação jurisdicional? "
Dentro desse diapasão, valerá muito a discricionariedade do ministro (do STJ) a quem caberá relatar, que pode entender que a causa, menor do que os 500 salário mínimo , pode ter a relevância necessária e encaminhará a plenário para ser decidido por um quórum de 2/3.
Sabemos que muitas vezes uma tese tem repercussão enorme mesmo com um valor de causa não muito grande. Hoje o STJ julga causas relevantes para o país que não serão mais julgadas por causa desse critério. Em nome da eficiência , direitos serão suprimidos. Não custa repetir: a PEC 10/2017 pretende reduzir em 50% o problema do congestionamento de processos no âmbito do Superior Tribunal de Justiça mediante o atalho do sacrifício de um direito fundamental, o que a torna um verdadeiro problema ao invés de solução. Vou mais além, é possível afirmar que se a PEC da relevância for efetivamente aprovada, nem a RESP subirá por meio de agravo !
A prestação jurisdicional vai para lá da Cochichina ...
Clique aqui para ler o texto da PEC
PEC 10/2017
* O autor é promotor de justiça aposentado ( MP-PI )
fontes:
http://genjuridico.com.br/2021/10/28/pec-da-relevancia/
https://www.conjur.com.br/2021-nov-04/pec-relevancia-institucionaliza-jurisprudencia-defensiva
https://super.abril.com.br/historia/da-proxima-vez-que-te-mandarem-para-a-cochinchina-va/
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