Opinião: Por que o sistema penitenciário manda raspar cabeça de presos
Terça feira, 20 de Julho de 2021
Eike Batista
ex-governador do Rio, Sérgio Cabral
Tom Oliveira*
Meus amigos,
Enfocaremos neste artigo de opinião a questão da raspagem de cabeça nos presos. Depois de Eike Batista, o milionário empresário preso que fez fortuna na exploração de mineração, petróleo, gás, logística, energia, indústria naval e carvão mineral. e que surgiu com a cabeça lisa, careca, após a prisão e condenação à 11 anos e 8 meses de reclusão por crimes contra o Mercado de Capitais, levantando o debate nos botequins da vida, retorna à tona, com a cabeça raspada do famoso DJ Iverson Sousa , o Ivis, agora nacionalmente conhecido por ser agressor de mulheres, no caso a sua ex, Pamela Holanda. A questão da raspagem leva a debates e troca de opiniões, inclusive em programa de televisão. Apesar disso, não chega a ser igual a uma discussão clubística, de futebol, essa sim, bem acalorada, mas o tema em apreço divide opiniões e rende infindáveis discussões com pontos de vista jurídicos diferentes. Essa semana fui interpelado por amigos para saber qual a nossa posição acerca do fato.
Incialmente, existe dois argumentos falaciosos para a raspagem da cabeça de preso. O primeiro seria para evitar ocultação de objetos cortantes com a finalidade de ferir guardas entre os cabelos, bem como para transportar e serem entregues a outros presos, ou mesmo para se matar. O outro argumento buscaria resguardar o aspecto de higiene e padronização do grupo prisional objetivando, inclusive, a identificação visual do preso em caso de tentativa de fuga. Nesse ponto, sob o pálio constitucional para essa corrente a medida visaria tutelar a segurança interna dos estabelecimentos prisionais, segurança do preso, proteção à vida e a saúde.
os defensores da inconstitucionalidade do ato compulsório de raspar a cabeça, como eu, defendem que isso seria tratamento degradante e absurdamente desumano, além de ser uma espécie de arbitrariedade e antecipação da pena sem previsão legal com nítida violação ao princípio da dignidade da pessoa humana. Lembro que no ano de 2003, em um emblemático caso apreciado pela Corte Europeia de Direitos Humanos, a Bulgária foi considerada violadora de normas internacionais que proíbem a prática de tortura e tratamento degradante e desumano aos presos, porquanto determinou que o senhor, Todor Antimov Yankov, tivesse o seu cabelo cortado compulsoriamente (caso Yankov vs. Bulgária), caso semelhante ao que ocorre no sistema prisional brasileiro.
Não se pode olvidar que o Brasil é signatário de Tratados e Convenções Internacionais com previsão semelhante, como é o caso do Pacto de São José da Costa Rica e devem ser observados, lembrando que nenhum direito pode ser exercido de forma abusiva. A nossa Constituição Federal garante ao cidadão preso o respeito a sua integridade física e moral. (Artigo 5º, inciso XLIX). Esse respeito à integridade física e moral tem, como fundamento justamente a dignidade da pessoa humana.
O juiz aposentado, João batista Herkenhoff, em artigo no portal jus.com.br, diz que este é um assunto de interesse de todos. E exemplifica: "um cidadão comum pode dar de ombros, alegar que o assunto não lhe diz respeito, mas diz, sim. Suponhamos, para efeito de ilustrar o entendimento que amanhã você, que é um homem de bem, tem a sua casa invadida pelo credor, acompanhado de um policial, para que lhe seja subtraído um determinado aparelho doméstico, porque você comprou a crédito esse aparelho e deixou de pagar uma prestação por estar às voltas com a saúde de um filho, digamos, internado num hospital. O credor sente-se no direito de fazer justiça com as próprias mãos. Isto porque ele integra a parte sadia da sociedade (os homens que pagam as contas) e você é um transgressor (não honra os compromissos financeiros)." Naturalmente que o exemplo é errado, juridicamente falando, posto que compete a Justiça determinar a Execução extrajudicial que será cumprida por um oficial de justiça, jamais pelo credor.
Hoje, no Brasil, a legislação atinente à espécie, reza que:
1. Nos presídios Federais a Portaria nº 1.191/2008 , do governo Lula, assinada por Tarso Genro, então ministro da Justiça, determina que se corte o cabelo na máquina ( máquina zero é apelido para o corte careca ,total ), além de barba e bigode, no caso dos homens. Ali o protocolo é para todos, independente da condição do preso ( e do crime cometido ) e talvez serviu para mostrar uma das cenas que mais marcou, que foi a cabeça raspada do empresário Eike Batista e a do ex-governador, Sérgio Cabral, se bem que a do ex-governador não foi máquina zero;
2. Alguns estados seguem essa determinação, através da Secretaria de Administração Penitenciária do Rio de Janeiro e outros ( agora sabemos que o Ceará, também, com o corte na cabeça do DJ Ivis, preso por agredir a ex esposa, Pamela Holanda ). Cada estado tem a sua regulamentação própria, de forma que São Paulo não segue mais desde um imbróglio judicial anterior;
3. Ressalve-se que a Defensoria Pública ( do Rio ) questionou o procedimento, obteve liminar, teve o pedido indeferido no Tribunal Ad Quem, recorreu e aguarda decisão do STF.
O corte de cabelo não é compulsório, ao menos teoricamente, e somente deve ser feito após a concordância do preso. Na prática ocorre que alguns presídios, o consenso do presidiário não é consultado antes do protocolo ser adotado, enquanto em outros, a maioria, diga-se de passagem, o presidiário sequer é ouvido no ambiente prisional e o protocolo é seguido normalmente. Muitas da vezes nem advogado tem.
Recomendaria o bom senso que houvesse uma espécie de " Nota de Consentimento " na qual haveria a assinatura do presidiário dizendo se concordaria ou não com o protocolo, podendo até , nesse mesmo documento, afirmar que concordaria num corte baixo, rente, sem necessariamente raspar a cabeça, igual procedimento feito com o ex-governador, Sérgio Cabral.
Seguindo nesse diapasão da raspagem compulsória , verificamos que existe aí duas verdades, amparando-se na filosofia de São Tomás de Aquino: a formal e a substancial, sendo que a formal refere-se a aparência das coisas e a verdade substancial, pela qual a atitude de raspar a cabeça do preso e exibir a cabeça raspada diante das câmeras, como verdadeiro troféu, tem a finalidade real de humilhar o preso. Basta lembrar que em alguns casos, antes mesmo de serem apresentados a um juiz, há presos que tem a sua cabeça raspada.
Se o indivíduo julgado e condenado não pode ser humilhado, muito menos pode ser humilhado aquele que nem julgado foi. O princípio da Igualdade insculpido na Constituição Federal de 1988, trata também da igualdade jurisdicional. Este princípio da igualdade atua em duas vertentes: perante a lei e na lei. Por igualdade perante a lei compreende-se o dever de aplicar o direito no caso concreto; por sua vez, a igualdade na lei pressupõe que as normas jurídicas não devem conhecer distinções, exceto as constitucionalmente autorizadas. Mas existe as diferenças ( de tratamento ) do preso de facção criminosa, homicida altamente perigoso daquele indivíduo condenado à prisão pela prática de lavagem de dinheiro, evasão de divisas, peculato, corrupção passiva ou ativa, gestão fraudulenta, falsidade ideológica, formação de quadrilha . Normalmente, essa diferença começa logo na atuação da defesa. Esse é o político preso e, queira ou não, foi a partir de prisão de figurões pela Operação Lava jato como o Ex-governador Sérgio Cabral, deputado Eduardo Cunha, empresário Eike Batista, costumeiramente vistos por nós, em nossa casa, nos canais de televisão, que se começou o debate sobre a necessidade de se raspar ou não a cabeça de preso. DJ Ivis, a mais recente celebridade compulsoriamente careca, para usar o eufemismo, teve o HC negado e não possui formação em curso superior reconhecido pelo Ministério da Educação, o que lhe daria direito a prisão especial. Tudo certo, então? Não, porque ainda estamos na fase do Inquérito Policial, sequer houve denúncia por parte do Ministério Público. O corte da sua reluzente cabeleira pode ser entendido como uma pena acessória antecipada.
Eis a questão.
* O autor é Promotor de Justiça aposentado - MP-PI
fontes: https://canalcienciascriminais.jusbrasil.com.br/artigos/461077770/por-que-os-presos-sao-obrigados-a-raspar-o-cabelo-na-prisao
https://jus.com.br/artigos/57853/a-compulsoriedade-da-raspagem-de-cabelo-no-sistema-prisional-patrio-e-os-aspectos-juridicos-que-permeiam-a-discussao
https://jus.com.br/artigos/57648/raspar-cabeca-de-presos
http://blogcarlossantos.com.br/promotor-explica-o-porque-de-corte-de-cabelo-de-presidiarios/
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