"Alguns juízes têm confiado a assessores tarefa de decidir e julgar casos"

Sábado,  26 de Janeiro de 2019

Parte da magistratura paranaense tem confiado a tarefa de decidir e julgar a assessores, deixando de ler e revisar os projetos de decisão. A crítica é do recém-eleito presidente da Ordem dos Advogados do Brasil do Paraná, Cássio Telles.



Divulgação

A preocupação, diz o advogado, está centralizada no primeiro grau. Telles aponta que a atitude de alguns juízes faz aumentar o número de recursos nos tribunais, que já sofrem com a falta de estrutura. “Muitas comarcas ainda padecem com a falta de servidores e com a morosidade. Há um concurso aberto para servidores há dois anos, sem ser realizado até o momento.”
Questionado se o direito de defesa está enfraquecido, Telles afirma que há uma onda de punitivismo que faz com que seja naturalizado a relativização do Habeas Corpus, a defesa do uso de provas ilícitas e até mesmo gravação de conversas entre advogados e clientes em unidades prisionais.
“Essas posturas enfraquecem a defesa e comprometem a paridade de armas no processo. Elas atingem o cidadão, que fica vulnerável frente a um estado aparelhado e estruturado para acusar”, aponta o presidente.
Cássio Telles deixou a presidência da comissão nacional de prerrogativas da OAB para comandar a seccional paranaense no triênio 2019-2021. Ele foi eleito com 68% dos votos válidos e já havia sido  vice-presidente da entidade na gestão 2013-2015.
Leia a entrevista:
ConJur — Quais os principais gargalos da advocacia no seu estado?
Cássio Telles —
 A justiça estadual ainda carece de melhor estrutura. Avançamos bastante no processo eletrônico, mas muitas comarcas ainda padecem com a falta de servidores e com a morosidade. Há um concurso aberto para servidores há dois anos, sem ser realizado até o momento. Outra dificuldade grande é o exercício profissional em unidades prisionais. Não temos parlatórios em diversas delas. Alvarás de soltura não são cumpridos após as 18h. Agendamentos para atendimento de clientes nas unidades demoram e há atraso na própria disponibilização do cliente preso no dia marcado. Inquéritos policiais tramitam vagarosamente por falta de servidores. Há uma preocupação também com a qualidade das decisões de primeiro grau. Alguns magistrados parecem não revisar as propostas de decisões e sentenças apresentadas pelas assessorias, o que aumenta a carga de recursos nos tribunais. O excesso de advogados no mercado também é um grande desafio, a OAB tem que protagonizar ações para a reinvenção da advocacia e a descoberta de novas áreas de atuação.
ConJur — O Tribunal de Contas da União decidiu, em novembro, que a OAB deve prestar contas ao tribunal. Como o senhor avalia a medida?
Cássio Telles —
 A decisão é equivocada. A OAB sobrevive da contribuição de seus inscritos. Não recebe verba pública; logo, é injustificável a submissão ao TCU. Passamos por cinco níveis de controle da gestão financeira: controladoria interna, auditoria externa, comissão de orçamento e contas, conselho pleno seccional e conselho federal. Há regras que regem desde a elaboração e aprovação do orçamento até a forma de elaboração das demonstrações financeiras. Recentemente o Conselho Federal editou o provimento 185/2018, estabelecendo regras detalhadas de gestão. No caso da OAB-PR, criamos um portal da transparência onde qualquer pessoa pode, por exemplo, acessar todos os contratos feitos pela seccional. Penso que a interferência do TCU poderá comprometer a independência e a atuação da OAB nas grandes questões nacionais.
ConJur — Quais as principais prerrogativas desrespeitadas hoje?
Cássio Telles —
 São várias: a impossibilidade de conversar sigilosamente com cliente preso, a que me referi acima; a interferência de juízes em contratos de honorários; a não expedição de alvarás em nome dos advogados; a violação sistemática ao sigilo das comunicações entre cliente e advogado; as tentativas de criminalizar a advocacia, incluindo, por exemplo, escritórios como alvos de buscas e apreensões genéricas; a acusação contra advogados públicos pela simples emissão de parecer, e também as tentativas de responsabilizar esses advogados perante o tribunal de contas. Nas sessões de julgamento do TJ-PR, advogados tem que esperar durante horas, e em pé, para sustentar. Não temos, ainda, na justiça estadual, as sustentações por videoconferência e alguns magistrados confiam demasiadamente a tarefa de decidir e julgar a assessores, muitas vezes sequer lendo atentamente os projetos de decisão. Há também dificuldades em ser atendido diretamente pelos magistrados. Enfim, estamos longe ainda do respeito ideal às prerrogativas da advocacia.
ConJur — O direito de defesa está enfraquecido?
Cássio Telles —
 Penso que há sim um desequilíbrio. O Ministério Público e a magistratura cresceram muito por conta do combate à corrupção. Vivemos uma onda de punitivismo. É claro que queremos o combate à corrupção e a punição daqueles que desviaram recursos públicos. Mas isso tem que ser feito com respeito absoluto ao devido processo legal e à ampla defesa. Não se imaginava, por exemplo, que se defenderia o uso de provas ilícitas e a relativização do Habeas Corpus como ocorreu nas chamadas “10 medidas contra a corrupção”. Também surpreende a naturalidade da defesa de que todas as conversas entre clientes e advogados em unidades prisionais sejam gravadas. Essas posturas enfraquecem a defesa e comprometem a paridade de armas no processo. Elas atingem o cidadão, que fica vulnerável frente a um estado aparelhado e estruturado para acusar.
ConJur — A OAB deve se colocar politicamente a favor do direito de defesa?
Cássio Telles —
 A OAB tem um compromisso perene com a ampla defesa. Advogados têm a missão de exercer a defesa do cidadão e da sociedade, portanto, sempre que se tratar do direito de defesa, a OAB deve lutar contra qualquer tentativa de cerceamento. Foi assim, por exemplo, que a OAB agiu em relação a presunção de inocência e às conduções coercitivas, indo ao STF para discutir esses temas.
ConJur  — A OAB é democrática internamente?
Cássio Telles —
 Sim. As principais decisões são tomadas em colegiados. Temos conselhos nas subseções, seções e em nível federal. Há muito debate. No caso do Paraná, cerca de 70 comissões também permitem a participação da advocacia na condução do órgão de classe.
ConJur — O que o senhor espera do superministério da Justiça?
Cássio Telles —
 Primeiramente que respeite o trabalho da advocacia, que observe as prerrogativas, notadamente o sigilo das comunicações entre cliente e advogado e a inviolabilidade dos escritórios. Que também seja aliado na defesa das garantias fundamentais e que promova ações em prol da dignidade. Que promova o combate à corrupção, inclusive no próprio nível federal. Que ajude a reduzir a burocracia estatal. Que promova uma política penitenciária capaz de neutralizar o espaço das facções, reprimir, através da aplicação da pena, mas também recuperar o preso. Que promova políticas de igualdade e inclusão. Que proteja a livre concorrência e também o consumidor. Nesse aspecto, penso que uma reanálise do papel das agências e suas condutas é essencial.
ConJur — Qual o piso ideal para um iniciante?  
Cássio Telles — 
Ideal é uma expressão que deve ser vista por dois ângulos: o da dignidade profissional e aquilo que o mercado comporta pagar. Penso que na atual conjuntura não deveria ser menos do que 4 salários mínimos (R$ 3.952), para o início de carreira. Infelizmente estamos vivendo uma realidade de excesso de oferta e a competição tem permitido o aviltamento para níveis absolutamente indignos.
ConJur — Recentemente, o presidente Bolsonaro manifestou contra o Exame de Ordem aplicado aos recém-formados. Na ocasião, ele disse que o exame cria “boys de luxo de escritórios de advocacia”. Em sua opinião, o modelo do exame precisa ser revisto? A quem cabe fiscalizar o curso de Direito?
Cássio Telles —
 O Exame de Ordem é indispensável para a própria sociedade, e deve ser aprimorado. Defendemos a realização de dois exames ao ano, mais qualidade nas correções das provas práticas, incluindo análise de redação e argumentação, e que quem zerar as questões objetivas da disciplina que escolheu para a prova prática também não possa ser aprovado. A advocacia exerce munus público essencial à realização da justiça. A técnica jurídica é complexa e exige preparo. A atuação do advogado define rumos e transforma destinos. 
ConJur — O senhor é a favor de segundo turno nas eleições da OAB? O Conselho Seccional deve ser eleito separadamente da chapa do presidente?
Cássio Telles —
 O atual sistema respeita a democracia. Não acredito que o segundo turno possa melhorar a condução da OAB. A eleição do conselho, separadamente da diretoria, não me parece um avanço. Via de regra os conselhos já contemplam a pluralidade nas suas formações. Na experiência que temos no Paraná, a representação da advocacia é bem diversificada, não vejo motivos para mudar, pois o conselho é bem representativo dos vários segmentos da profissão.

 é repórter da revista Consultor Jurídico



Fonte: Conjur
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