Artigo que trata a polêmica sobre adicional por tempo de magistratura

Quinta Feira, 03 de Julho de 2014










Por Guilherme Guimarães Feliciano
juiz titular da 1ª vara do trabalho de Taubaté-SP

O articulista Sérgio Roberto Guedes Reis publicou em mídia eletrônica, no último dia 11 de junho, o texto “A PEC dos Magistrados e seu ataque à República”.(*) Excluída toda uma redundante retórica moralista e alguma curiosidade nossa sobre a vasta experiência que o articulista deve possuir nas fileiras da Magistratura ou do Ministério Público e de seu associativismo –dada a assertividade das críticas à “falta de republicanismo” das associações de juízes, promotores e procuradores–, resta da leitura do artigo, noves fora, três conclusões: (a) o articulista denota um profundo desconhecimento dos bastidores legislativos que conduziram ao texto da PEC n. 63/2013, no substitutivo do Senador Vital do Rêgo (e, manda a boa retórica, não se deve discorrer sobre o que não se conhece); (b) o articulista não tem ideia do que fazem as associações em prol dos valores republicanos, para muito além dos “pináculos corporativos”; (c) o articulista tem dificuldades em reconhecer que a tripartição de poderes –fenômeno eminentemente republicano– pressupõe garantias e compromissos recíprocos entre os poderes, quase todos de base constitucional, como a vitaliciedade, a irredutibilidade de subsídios e a autonomia financeira dos tribunais; e (d) o articulista não compreende, afinal, o amplo plexo de sentidos da expressão “republicanismo”.

Nessa linha de incompreensões, talvez pudesse ter antes se informado um pouco mais antes de emitir juízos que deflagram polêmicas e formam opiniões. Como bom retórico, poderia ter se lembrado da conhecida exortação de Bernard Meyer: “conhecer-se, e conhecer o outro, são coisas preciosas para o emissor”. Com isso, diz Meyer, evitam-se excessos como a irritação, a falta de rigor ou a desatenção.
Como, porém, esse conselho não foi observado, resta contra-articular uma resposta. Menos pela resposta em si, diga-se, e mais pelo necessário esclarecimento aos concidadãos. Voilà.

Principiamos com alguns esclarecimentos de fato. Ao tentar traçar o histórico da PEC n. 63 (e, por ele, intimidar parlamentares que até aqui apoiaram o substitutivo Vital do Rêgo, como se por isto houvessem optado pela “imoralidade”), o articulista vincula à sua “liga do mal” alguns estranhos –e inverídicos– aliados.

Desde logo, convenhamos: se apoiadores de um arco político tão eclético como aquele desenhado na sessão da Comissão de Constituição e Justiça –alcançando desde políticos do PMDB e do PTB até figuras históricas do PDT, do PSOL e do próprio PT (como, cite-se entre tantos, o Senador Paulo Paim, parceiro recorrente das associações de juízes e procuradores em um sem-número de causas sociais e humanitárias no Congresso, como a PEC do trabalho escravo, a reformulação da CLT em matéria de meio ambiente do trabalho e o front de resistência às alterações no Estatuto do Motorista)–, é porque a PEC n. 63, ao buscar a revalorização das carreiras da Magistratura e do Ministério Público, deve ter algo de meritório; algo, inclusive, apartidário. Que, é claro, nenhum positivismo economicista poderia reconhecer.

De outro turno, é inteiramente falsa a ilação de que o presidente Joaquim Barbosa (STF) “redigiu uma nota anunciando publicamente seu apoio”. Operou-se justamente o contrário: a nota técnica foi emitida em abril, com a unanimidade dos presentes, pelo Conselho Nacional de Justiça, órgão maior de gestão do Poder Judiciário, a quem incumbe “zelar pela autonomia do Poder Judiciário e pelo cumprimento do Estatuto da Magistratura” e, mais, “zelar pela observância do art. 37 e apreciar, de ofício ou mediante provocação, a legalidade dos atos administrativos praticados por membros ou órgãos do Poder Judiciário” (artigo 103-B, §4º, I e II, da Constituição). Joaquim Barbosa, ao contrário, ausentou-se da sessão correspondente (a 187ª), para não votar a nota técnica; não a assinou; e, adiante, ainda exarou nota pessoal externando suas discordâncias pontuais (v., por todos, http://g1.globo.com/politica/noticia/2014/05/barbosa-apoia-valorizacao-de-juizes-mas-diz-ter-reticencias-pec.html). 

Se o Conselho Nacional de Justiça –órgão conhecido pelo rigor com que pune disciplinarmente juízes desviados de suas funções e deveres– e a Comissão de Constituição e Justiça do Senado da República reconhecem a constitucionalidade, a oportunidade e a conveniência da (re)instituição da parcela de valorização do tempo de Magistratura e Ministério Público, conviria sempre indagar, antes de entoar o coro neoliberal da contenção orçamentária e do déficit público, quais as razões de essência pelas quais esta proposta de emenda foi elaborada, assinada, apoiada e agora aprovada na CCJ, rumando para uma votação em plenário. Mas, porque também não se indagou, cumpre-nos indagar. E responder.

No novo modelo remuneratório concebido com o advento das Emendas Constitucionais nº 19 e 20/1998, consubstanciado na fixação do subsídio em parcela única (para agentes políticos em geral –chefes executivos, parlamentares, juízes, promotores, procuradores, e depois estendido a outras categorias)–, pretendeu-se implantar uma medida moralizadora no serviço público, evitando o surgimento de “marajás” do funcionalismo.
E foi, de fato, moralizadora. Tanto que várias associações nacionais e regionais de juízes, a exemplo da Anamatra (Associação Nacional dos Magistrados da Justiça do Trabalho), apoiaram-na, lado a lado com outras tantas medidas moralizadores que sempre contaram com o apoio e os esforços dessas associações (criação do CNJ, abolição do nepotismo no serviço público, lei da ficha limpa etc.). Com o tempo, porém, esse modelo revelou-se capcioso para a Magistratura e o Ministério Público, gerando um gritante descompasso com a realidade dessas carreiras.

A uma, porque o sinalagma político fundamental para a implementação deste novo modelo –que, aliás, foi inserido no texto constitucional (artigo 37, X, CF)–, jamais foi adequadamente observado pelo Poder Executivo (que é quem, na prática, detém a “chave do cofre”). Com a implantação dos subsídios, deveriam ser revisados anualmente, de modo a que não se perdesse, com o tempo, o seu valor real. Esta previsão constitucional, diga-se, jamais tratou de um “gatilho inflacionário”. Dispôs tão-só sobre a obrigatoriedade de revisões anuais, de acordo com as possibilidades e diretrizes orçamentárias do momento, para que a inflação não corroesse significativamente subsídios e vencimentos do funcionalismo. Mas isto não foi observado, um ano sequer, passados mais de quinze anos da Reforma Administrativa. As revisões vêm quando o Poder Executivo quer, da maneira como quer, e com os percentuais que supõe justos. No governo Dilma Rousseff, as peças orçamentárias elaboradas pela Presidência do STF chegaram a ser repelidas pelo Poder Executivo: discordando do índice de revisão constante da proposta do Judiciário, o Executivo enviou ao Congresso Nacional, em duas oportunidades, a sua própria proposta, relegando a proposta do STF à condição de um mero “anexo”. Eis aqui, Sr. Sérgio Guedes, o que realmente é antirrepublicano. E, não por outra razão, a Anamatra apresentou à Organização dos Estados Americanos uma denúncia pública, que ainda tramita na Comissão de Direitos Humanos daquela entidade.

A duas, porque a imobilidade do regime de subsídios mostrou-se incompatível com a característica peculiar das carreiras da Magistratura e do Ministério Público, que nisto não se assemelham nem às “carreiras” eminentemente políticas (parlamentares, chefes do Executivo, secretários de Estado etc.), nem às carreiras do funcionalismo público em geral. Daí a insistência dos senadores da República em identificar a Magistratura e o Ministério Público como realidades “sui generis”. Explique-se.

As carreiras da Magistratura e do Ministério Público são necessariamente carreiras longas, cuja valorização também passava, historicamente, pela diferenciação de remuneração de acordo com o tempo a elas dedicado. Era assim desde sempre. A Lei Orgânica da Magistratura Nacional, já em 1979, como depois a Lei Orgânica do Ministério Público previram, como as leis que as antecederam, o adicional por tempo de serviço (ATS) para juízes, promotores e procuradores, como forma de equacionar essa característica. Mas, com a instituição do subsídio em parcela única, o antigo ATS desapareceu. A consequência mais imediata dessa verdadeira armadilha institucional é que, ao longo do tempo, os juízes — que deveriam representar o teto vencimental do funcionalismo público, pelo próprio espírito da Reforma Administrativa (EC nº 19) — deixaram de receber os maiores vencimentos nas unidades jurisdicionais por eles comandadas. Um dos autores deste texto ostenta, em sua unidade jurisdicional, apenas o terceiro vencimento. E, nada obstante, é quem deve chefiá-la, e é sobre quem recairá toda e qualquer responsabilidade, em último grau, pelo que se der nos serviços da unidade. Há aqui, obviamente, uma subversão insustentável.

Mas não se trata de fato isolado. A evidência disto está escancarada na rede mundial de computadores. Os portais de transparência dos tribunais revelam ser cada vez mais comum ocupar o magistrado, na estrutura administrativa de sua unidade ou gabinete, a segunda, a terceira ou até mesmo a quarta posição vencimental, abaixo de seus subordinados.

Essa condição se explica, entre outras razões, porque os servidores não são remunerados por subsídios e percebem inúmeras vantagens remuneratórias paralelas aos próprios vencimentos (vantagens que a grande mídia denominou de “penduricalhos”, e que tecnicamente já não existem no âmbito da Magistratura e do Ministério Público). No limite, tal distorção tem reflexos deletérios na própria hierarquia administrativa.

Mesmo as demais carreiras públicas hoje também remuneradas por subsídios, na esteira do que se estabeleceu para a Magistratura e o MP em 1998, têm formas alternativas de compensação do tempo dedicado à carreira. Para dar alguns exemplos, decerto meritórios pelos incentivos que trazem, os delegados de polícia federal, igualmente remunerados por subsídios, tanto se beneficiam a progressão vertical (a carreira está escalonada em quatro classes, com ganhos que variarão, entre 2014 e 2015, de R$ 20,6 mil a R$ 22.805,00 — v. http://congressoemfoco.uol.com.br/noticias/salarios-na-pf-variam-de-r-4-mil-a-r-22-mil/), como também com as vantagens previstas no artigo 7º da MP n. 305/2006, hoje artigo 7º da Lei n. 11.358/2006 (e.g., “retribuição pelo exercício de função de direção, chefia e assessoramento”). Já aos policiais rodoviários federais tanto aproveita a progressão vertical, como também a chamada progressão horizontal: a carreira divide-se em quatro classes e, dentro dessas classes, há até seis padrões remuneratórios (de I a III na 3ª classe, de I a VI na 2ª classe, de I a VI na 1ª classe e de I a III na classe especial), de modo que, ao longo da atividade, progridem de R$ 6.106,81 para R$ 11.092,44, em um total de dezoito níveis salariais — afora, mais uma vez, as vantagens do artigo 7º da Lei n. 11.358/2006 (v., por todos, Tabela de Remuneração dos Servidores Públicos Federais. Brasília/DF: Ministério do Planejamento, Orçamento e Gestão, janeiro/2013. v. 60. pp.70-75 — dados de janeiro/2013).

Juízes, promotores e procuradores, por seu turno, não detêm, em seu regime vencimental, gratificações por exercício de função ou quaisquer outras similares; tampouco contam com qualquer forma de progressão horizontal; e as progressões verticais são cada vez mais raras. Nas carreiras mais longas (citem-se, e.g., os TRTs da 2ª, 3ª e 15ª Regiões), um juiz que ingressar na carreira com quarenta ou quarenta e cinco anos possivelmente se aposentará, aos 60 anos, ainda no primeiro degrau da carreira (i.e., como juiz substituto), sem qualquer tipo de aumento real durante toda a sua carreira. Para o acesso aos tribunais regionais e de justiça (último nível da carreira), a condição é ainda mais dramática, em face da juvenilização dos quadros de desembargadores. A carreira torna-se, portanto, desalentadora e desinteressante. 

Buscando abrir caminhos para recuperar as perdas acumuladas, são já percebidos movimentos no sentido de se instituir gratificações, auxílios e adicionais em circunstâncias as mais diversas (direção de foro, atuação em escolas judiciais, verbas extraordinárias para prolatar sentenças a que não estão vinculados etc.) e de buscar complementações de renda em atividades docentes paralelas cada vez mais absorventes. Dedicando-se à docência, os juízes têm melhores chances de progressão remuneratória pelo tempo na função do que se dedicando à própria carreira. Reitere-se que, nos maiores tribunais regionais (trabalhistas e federais), o tempo médio para que um juiz substituto (primeiro nível da carreira) chegue à condição de juiz titular (segundo nível da carreira) já está entre 15 e 20 anos – casos, e.g., dos TRTs da 2ª (são Paulo – Capital e Litoral), da 9ª (Paraná), da 10ª(Distrito Federal e Tocantins) e da 15ª Região (São Paulo – Interior).

Todas essas “soluções” paliativas, sobre serem episódicas e excepcionais, perdem sentido na perspectiva de uma carreira que, pela própria finalidade constitucional, deve ter regras uniformes e estrutura de vencimentos nacionalmente unificada, para todos os seus ramos (federais, estaduais, trabalhistas, militares). Perde-se, ademais, o próprio sentido de valorização da carreira, na medida em que os ganhos extraordinários não se ligam à própria posição ou tempo na carreira, mas a aspectos exógenos e muitas vezes laterais. E a carreira, assim, desagrega-se lentamente. O Poder Judiciário nacional possui, hoje, aproximados 5.000 (cinco mil) cargos de juízes em aberto, sem o necessário provimento; a evasão de juízes, que deixam a carreira e voltam à advocacia ou partem para outras atividades públicas ou privadas, é maior a cada ano.
Não se trata, diga-se, de um “discurso corporativo de ocasião”, como se ouvirá, aqui e acolá. Basta ver a preocupação do próprio Conselho Nacional de Justiça com esse quadro desconcertante de desmonte dos quadros da Magistratura nacional: identificou-se que, de 2008 a 2013, 83 magistrados pediram demissão, cerca de 200 aposentaram-se precocemente, e mais de 100 aprovados em concurso público desistiram de ingressar na carreira (v. http://www.jb.com.br/pais/noticias/2013/06/18/evasao-de-magistrados-preocupa-cnj/). Esse quadro de frustração tende a comprometer, com o tempo, o próprio direito do cidadão brasileiro ao acesso à Justiça e à ordem jurídica justa (artigo 5º, XXXV, da Constituição).

Eis aqui, Sr. Sérgio Guedes, outro risco realmente republicano. Os melhores quadros egressos das faculdades de ciências jurídicas, pelo Brasil afora, hoje já não migram para a Magistratura com o apetite de outrora. Quererá o cidadão que os seus litígios, num futuro próximo, sejam tendencialmente resolvidos por profissionais que optaram pela Magistratura ante uma absoluta falta de opções? Far-se-á com a Magistratura nacional o que se fez, durante os anos de chumbo, com o Magistério (e com o qual, por tudo, nos solidarizamos)? Supomos que não.
Se ainda não há dados estatísticos consolidados, é certo que, a partir do segundo lustro da primeira década deste século, um contingente maior de juízes passou a se aposentar tão logo quanto possível, por um lado para evitar perdas com as sucessivas e recorrentes reformas do sistema previdenciário nacional (Emendas Constitucionais ns. 20/1998 e 41/2003); e, por outro, para ingressar antecipadamente nas atividades de advocacia privada (inacumuláveis com o exercício da atividade jurisdicional).

Ganham expressão, insista-se, os casos de juízes que abandonam a carreira antes mesmo da aposentadoria, migrando para outras atividades, como a advocatícia, pública e privada, ou a notarial; e, da mesma forma, as situações cada vez mais comuns de cidadãos que, aprovados em concursos para a Magistratura, sequer tomam posse, optando inclusive por carreiras análogas, onde a previsão de vantagens indiretas nas próprias leis de regência representam um particular atrativo.

Não por outra razão, bem ciente deste fato, o ex-ministro Carlos Ayres Britto, então presidente do Supremo Tribunal Federal, referiu-se em diversas ocasiões ao processo de paulatina “desprofissionalização” da Magistratura. Em paralelo, o debate legislativo acerca do modelo remuneratório da Magistratura nacional torna-se cada vez mais contaminado, na medida em que os pleitos remuneratórios dos juízes são contrastados, no Parlamento, com temas diversos e impróprios, com os quais não deveriam se confundir. Tal contaminação revela como a inefetividade das garantias dos artigos 37, X, e 95, III, da Constituição (revisão anual e irredutibilidade de vencimentos) podem ser nocivas para a independência dos magistrados e, portanto, para o direito da pessoa à independência judiciária e à tutela judicial efetiva (artigos 5º, XXXV, e 95 da CRFB; artigos 8º, 1, e 25 da Convenção Americana de Direitos Humanos).

Daí que, na atual conjuntura, a única maneira de se assegurar a valorização do tempo de serviço na Magistratura e no Ministério Público, sem vinculações a humores políticos de ocasião, houve de ser o estabelecimento, no texto constitucional, com imediata autoaplicabilidade (e sem retroatividade), de umitem remuneratório objetivamente atrelado àquele tempo de serviço. O que significa restabelecer a figura do adicional por tempo de serviço, prevista originalmente no artigo 65, VIII, da LOMAN (Lei Complementar n. 35/1979), que previa a “gratificação adicional de cinco por cento por quinquênio de serviço, até o máximo de sete” — mas prejudicada ulteriormente pela edição da EC n. 19/1998. É disto que trata a PEC n. 63, no substitutivo do Senador Vital do Rêgo.

Afinal, como demonstrado, a experiência acumulada desde a efetiva implementação dos subsídios revelava que esse modelo monolítico, porque desprezava o tempo na carreira –e isto em carreiras necessariamente longas–, não se harmoniza mais com as necessidades e as tradições das carreiras da Magistratura e do Ministério Público, causando um desequilíbrio no sistema. Os senadores da República souberam perceber esse dilema. E, por eles, canalizou-se a demanda pela alteração constitucional que está consubstanciada na PEC n. 63, com a máxima restrição possível. Isso significa que o impacto orçamentário será mínimo. Pelas contas já feitas, na União como nos Estados, um impacto não superior a 2% (dois por cento) dos gastos com o pessoal do Judiciário na respectiva unidade federativa. Na média, impacto de 1,5% (um e meio por cento). Em alguns tribunais mais jovens, impacto igual ou inferior a 1% (um por cento). Sem qualquer violação aos patamares máximos de despesas com pessoal da Lei de Responsabilidade Fiscal.

Aliás, a propósito desta última -—a Lei de Responsabilidade Fiscal (LRF), LC n. 101/2000–, é falsa qualquer insinuação no sentido de que, no âmbito da União, não haveria maiores preocupações do Poder Judiciário com os limites fiscais impostos pela legislação. As contas públicas relevam que, na relação com o orçamento total da União, o percentual de comprometimento dos gastos do Poder Judiciário está em declínio e se encontra próximo dos 3%. Muito longe, portanto, dos 6% que a LRF reserva ao Poder Judiciário (artigos 19, I, c.c. 20, I, “b”).
Extrapolação haveria, isto sim, se acaso se aprovasse o texto original da PEC n. 63, que estendia o adicional de tempo de serviço a todo o funcionalismo público; ou se se aprovasse a emenda apresentada pelo Senador Humberto Costa (curiosamente, liderança do partido do governo), que igualmente estende a previsão a inúmeras outras carreiras (quase todas com estratificação horizontal) e reestratifica a Magistratura e o Ministério Público. Tudo isto, registre-se, poderia e poderá ser perfeitamente demonstrado em um debate público, arbitrado justamente, sem pendores ideológicos ou retóricas moralistas.

Ainda que adequada para algumas outras carreiras que não se organizam em níveis funcionais bem definidos, que ostentam progressão horizontal e/ou que permitem, de forma mais livre, a movimentação de servidores pelos cargos de confiança e chefia, a retribuição por meio de subsídio precisa ser pontualmente aperfeiçoada quanto à Magistratura e o Ministério Público. E, se não por outras, por duas razões básicas: na Magistratura e no Ministério Público, há uma estratificação funcional rígida, e o acesso a esses níveis está basicamente vinculado ao tempo de permanência nas respectivas carreiras. Por isso, a ausência de prestígio ou valorização para o tempo de carreira, como hoje acontece, manifesta-se como uma quebra do sistema, que merece a atenção do Congresso Nacional para a realização do necessário ajuste. E esse ajuste há de ser pensado exclusivamente para juízes, promotores e procuradores, com vista à peculiaridade de suas carreiras, por uma razão ética e tecnicamente irrespondível: à diferença de todos os outros ramos do funcionalismo público e de outros poderes da República, a Magistratura é o único poder da República profissionalizado, i.e., organizado em carreira acessível por concurso de provas e títulos. Nos outros poderes da República, não há carreiras, mas mandatos; e nos outros ramos do funcionalismo, há carreiras, mas não há Poder.

Por fim, e para mais não dizer, importa deixar público que as associações de juízes, promotores e procuradores não têm quaisquer objeções a que outras carreiras do funcionalismo conquistem  mecanismos de valorização do tempo de serviço (muitas, como dito, inclusive já os possuem); mas a seu tempo, por intermédio da iniciativa adequada e com a devida adaptação às suas peculiaridades. O “abraço do afogado” é estratégia débil e inefetiva, como revelam inúmeras passagens da história legislativa recente. No plano legislativo, pelas suas inconfundíveis peculiaridades, Magistratura e Ministério Público reclamam, agora, não um tratamento “especial” ou “obsequioso”. Reclamam apenas um tratamento justo, sintonizado com aquelas peculiaridades. O que não é mais do que reivindicar para si o que fazem valer, no curso dos séculos, para todo e qualquer cidadão: “suum cuique tribuere”.

(*)  http://jornalggn.com.br/blog/sergiorgreis/a-pec-dos-magistrados-e-seu-ataque-a-republica.






Fonte:Blog do Fred
extraído na íntegra
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