Artigo: A Mais Nova Previsão da Delação Premiada no Direito Brasileiro





                                                 Trataremos, tão-somente, de um instituto por ela trazido: adelação premiada (ou, na expressão feliz de José Carlos Dias, extorsão premiada), comocausa obrigatória de diminuição da pena em favor de autorco-autor ou partícipe nos crimesde extorsão mediante sequestro e quadrilha ou bando (este último quando a societas sceleris tiver sido formada com o intuito de praticar os crimes considerados hediondos eoutros a eles assemelhados).                                                             Já no dia 03 de maio do ano de 1995 foi sancionada a Leinº. 9.034/95 dispondo “sobre a utilização de meios operacionais para a prevenção erepressão de ações praticadas por organizações criminosas.” Tal como a anterior esta lei,criada para definir e regular meios de prova e procedimentos investigatórios que versaremsobre crime resultante de ações de quadrilha ou bando“, também considera causacompulsória de diminuição da pena a delação de um dos participantes na organizaçãocriminosa.           Aliás, na lei dos crimes hediondos o legislador foi mais explícito e utilizou overbo denunciar como sinônimo de delação, enquanto que nesta segunda norma preferiu aexpressão colaboração espontânea, como que para escamotear a vergonhosa presença datraição premiada em um diploma legal.

                                                           Em 19 de julho de 1995 foi sancionada a Lei nº. 9.080/95, prevendo, igualmente, a delação como prêmio ao co-autor ou partícipe de crime cometidocontra o sistema financeiro nacional ou contra a ordem tributáriaeconômica e as relaçõesde consumo quando cometidos em quadrilha ou co-autoria.  Agora se preferiu a expressãoconfissão espontânea, o que resulta no mesmo. Em 1998, surgiu entre nós a Lei n. 9.613/98, a chamada lei de “lavagem de dinheiro”, disciplinando, outrossim, a diminuiçãode pena para o “colaborador espontâneo”. Temos, aindacomo exemplo a Lei nº. 9.807/99, de proteção a vítimas e testemunhas ameaçadas, que também prevê a delação premiada,além da Lei nº. 8.137/90 (art 16, parágrafo único). Faz-se referência também à Lei nº. 11.343/06 (a Lei de Drogas), que no art. 41 dispõe de forma semelhante e ao art. 159, § 4º. do Código Penal.                                                           Segundo Damásio de Jesus, “a origem da "delação premiada" no Direito brasileiro remonta às Ordenações Filipinas, cuja parte criminal, constante do Livro V, vigorou de janeiro de 1603 até a entrada em vigor do Código Criminal de 1830. O Título VI do "Código Filipino", que definia o crime de "Lesa Magestade" (sic), tratava da "delação premiada" no item 12; o Título CXVI, por sua vez, cuidava especificamente do tema, sob a rubrica "Como se perdoará aos malfeitores que derem outros á prisão" e tinha abrangência, inclusive, para premiar, com o perdão, criminosos delatores de delitos alheios.”[5] Já na Inquisição, “um filho delator não incorre nas penas fulminadas por direito contra os filhos dos hereges e este é o prêmio pela sua delação. In proemium delationis.”[6]

                                                           O próprio Rui Barbosa  afirmava não se dever combaterum exagero (no caso a violência desenfreada) com um absurdo (a delação premiada).

                                                           Em um artigo intitulado “Prêmio para o ´dedo duro`, o advogado mineiro Tarcísio Delgado afirmou com muita propriedade: “Contam uma história muito conhecida, aconteceu há muitos e muitos anos e, de geração em geração, tão sagrada e consagrada, que estabeleceu o mais importante marco no caminho da humanidade. Trata-se da saga de um "Sujeito", altamente perigoso, indisciplinado e subversivo, que andava atormentando e tirando o sono do Poder Soberano. O "Cara" não era mole, dizia defender os fracos e os oprimidos. Fazia até milagre. Formou uma "quadrilha" de seguidores fanáticos, e andava com seu "bando", infernizando o Poder constituído. Não respeitava nem o Imperador. Era uma ameaça permanente às instituições. "Pior" que "Esse", nunca se viu. Precisava pegá-lo, mas ele era "danado", se misturava no meio do povo, e não tinha como prendê-lo. Preso, o castigo seria severo e inapelável. Eis que aparece a figura canhestra do delator, para "colaborar" com a polícia e com os detentores do Poder. Um dos seus vende-se por trinta dinheiros e articula a prisão do chefe: "O traidor tinha combinado com eles um sinal, dizendo: Jesus é aquele que eu beijar; prendam" (Mateus, 26, 48). Estava consumada a mais famosa e repugnante traição de todas as épocas. Judas se transformou em sinônimo de traidor. Podemos fixar aqui a origem da delação premiada, que se confunde com o nascimento de nossa Era. Este famigerado instituto tem vida recente em nosso Direito. Importado dos Estados Unidos e da Itália, que o recepcionam com grande entusiasmo, foi positivado em nosso País, pela Lei nº 8.072/ 90, art.8º, § único - O participante que denunciar à autoridade o bando ou quadrilha, possibilitando seu desmantelamento, terá pena reduzida de 1 (um) a 2/3 (dois terços). O art.159, do Código Penal, no seu § 4º, estabelece coisa parecida. Como esta legislação contraria a natureza de nossos sentimentos, nossas tradições e a formação de nossa cultura, permaneceu durante esses anos como letra morta, sem qualquer aplicação noticiada. Só agora, recentemente, foi, imprópria e equivocadamente, cogitada. (...) Faz quase 60 anos, lembro-me muito bem, quando cursava o primeiro grau, certa feita nossa professora enérgica e diligente, magnífica mestra, que saudade!... surpreendeu um grupo de alunos com um caso grave de indisciplina que, embora praticada por um só, não havia como identificá-lo, sem que houvesse confissão. O indisciplinado calou-se. A professora ameaçava punir o grupo inteiro, se não aparecesse o responsável. Eis que surge o "dedo duro" e delata o colega, apontando aquele dedo de "bom moço" para o culpado. Aquela mestra exemplar passou-lhe uma descompostura. Disse que a indisciplina mais grave praticara o delator do seu colega. Aplicou-lhe a penalidade mais forte, e ensinou que nunca mais deveria dedurar quem quer que fosse. O resto daquela aula foi sobre o papel sujo e condenável de delatar. Esta foi uma lição que me marcou para sempre. (...) Por estas e por outras, tenho fundadas e irremovíveis restrições à chamada delação premiada. Repugna-me o acordo de autoridade instituída com bandidos. Parece-me mais um comodismo de quem tem o dever de investigar, uma redução de trabalho, um falso pragmatismo utilitarista, que encontra utilidade numa prática que corrompe e avilta. O argumento de que os criminosos modernos dispõem de técnicas e arranjos difíceis de serem apanhados, nada mais é do que a confissão de que o Estado está perdendo uma batalha que não pode perder, sob pena do desmantelamento total da organização social. Pegar um acusado, sem qualquer culpa formada, no início da apuração de possíveis atos criminosos, prendê-lo, algemá-lo e oferecer-lhe o benefício da "deduragem" é de arrepiar os cabelos. Os momentos em que prevaleceu o crédito à delação não enaltecem a história, pelo contrário, são períodos soturnos no caminho da humanidade. A delação mais conhecida é aquela que está na origem de nossa Era, resumidamente descrita na introdução deste artigo. Aí, os personagens são nominados, a vítima foi simplesmente Jesus Cristo e, o delator, aquele que virou sinônimo de traidor, Judas Iscariote. Todavia, a história universal está repleta de exemplos tenebrosos de milhares de pessoas inocentes e anônimas que, por causa da delação, foram queimadas vivas nas fogueiras da inquisição; levadas à guilhotina para serem decapitadas depois da Tomada da Bastilha nos anos que se seguiram à Revolução Francesa. Além disso, na Rússia do comunismo Stalinista, por um canto, e no Nazismo Hitlerista, por outro, a delação desempenhou papel absolutamente fundamental. E não citamos, ainda, o caso clássico e típico de delação premiada, que marca a história pátria com sangue e vergonha, daquele que delatou o "bando perigosíssimo" comandado por aquele desvairado de amor à Pátria, Tiradentes, na Inconfidência Mineira - o fraco e pusilânime Joaquim Silvério dos Reis, em troca de vantagens pessoais. A história registra incontáveis casos de delação que, sem nenhuma exceção, marcam sempre os momentos mais obscuros e vergonhosos da humanidade. Só quem não quer ver, em virtude de uma formação utilitarista, não reconhece que a delação sempre foi um instrumento do autoritarismo, da violência, da injustiça. Está na teoria que justifica os meios pelo fim e, ainda assim, no caso, impropriamente, porque, aqui, por meios corrompidos, quase sempre se chega a fim distorcido e injusto. "A árvore má não dá bons frutos". Enganam-se os que buscam tirar proveito de quem só pensa em se aproveitar. A prova não pode fundar-se no testemunho daquele que antes fora pego como comparsa do crime. Sua palavra é suspeita e inconfiável. Todo delator, para amenizar sua situação no processo, joga a culpa no outro, seu comparsa ou não. Não é de se acolher, também, o argumento dos defensores da adoção deste instituto jurídico, de que hoje ele é aplicado com tais cautelas que impossibilitariam qualquer abuso contra inocentes. Claro que, em nossos dias, a delação não levaria ninguém à fogueira ou à guilhotina, mas pode criar constrangimentos e danos morais, ferir direitos inalienáveis, que precisam ser respeitados numa sociedade civilizada e livre, durante o processo investigatório, isto para admitir, o que não é nosso caso, algumautilidade ou alguma força moral na aplicação dessa norma positiva. É aconselhável que, em se tratando de assuntos desse nível de especulação e com tantas manifestações do pensamento universal, procure-se exemplares na vasta doutrina existente. André Comte-Sponville, desculpando-se por citar poucos, trabalha com conceitos de Kant, Bérgson, Camus, Dostoievski, Jankélévitch para indagar e responder: "se para salvar a humanidade fosse preciso condenar um inocente (torturar uma criança, diz Dostoievski), teríamos de nos resignar e fazê -lo? Não, respondem eles. A cartada não valeria o jogo, ou antes, não seria uma cartada, mas uma ignomínia. Porque, se a justiça desaparece, é coisa sem valor o fato de os homens viverem na Terra. O utilitarismo chega aqui ao seu limite. Se a justiça fosse apenas um contrato de utilidade, apenas uma otimização do bem-estar coletivo, poderia ser justo, para a felicidade de quase todos, sacrificar alguns, sem seu acordo e ainda que fossem perfeitamente inocentes e indefesos", e avança, utilizando-se ainda de Kant e Rawls: "a justiça é mais e melhor do que o bem estar e a eficácia, e não poderia ser sacrificada a eles, nem mesmo em nome da felicidade da maioria".  Estes conceitos, certamente, soam como devaneios aos "idiotas da objetividade", de Nelson Rodrigues, mas, só assim, poderemos "criar uma sociedade de Homens, não de brutos", como acentua Spinoza. Premiar o delator é premiar o crime.” Fonte: JURID Publicações Eletrônicas – 06/09/2005.

Em crônica publicada no jornal O Globo, na edição do dia 17 de dezembro de 1995, João Ubaldo Ribeiroapós lembrar que as expressões “dedo-duro” e “dedurismo” surgiram ougeneralizaram-se após o golpe militar de 1964, escreveu: “Os próprios militares e policiaisencarregados dos inquéritos tinham desprezo pelos dedos-duros – como, imagino, todomundo tem, a não ser, possivelmente, eles mesmos. E, superado aquele clima terrível seria de se esperar que algo tão universalmente rejeitado, epítome da deslealdade, do oportunismo e da falta de carátertambém se juntasse a um passado que ninguémouquase ninguémquer reviverMas não. O dedurismo permanece vivo e atuante, ameaçandoimpor traços cada vez mais policialescos à nossa sociedade.” E, conclui: “Sei que asintenções dos autores da idéia são boas, mas sei também que vêm do desespero e daimpotência e que terminam por ajudar a compor o quadro lamentável em que vivemos, poisburaco é bemmas bem mesmomais embaixo.”

                                                           Entendemos que o aparelho policial do Estado deve serevestir de toda uma estrutura e autonomia, a fim de poder realizar seu trabalho a contento,sem necessitar de expedientes escusos na elucidação dos delitos. O aparato policial tem aobrigação de, por si próprio, valer-se de meios legítimos para a consecução satisfatória deseus fins não sendo necessárioportantoque uma lei ordinária use do prêmio ao delator(crownwitness)como expediente facilitador da investigação policial e da efetividade da punição.

                                                           Ademais, no próprio Código Penal  existe a figura daatenuante genérica do art. 65, III, bonde a pena será sempre atenuada quando o agentetiver “procurado, por sua espontânea vontade e com eficiêncialogo após o crime, evitar-lheou minorar-lhe as conseqüênciasou terantes do julgamento, reparado o dano”, quepoderia muito apropriadamente compensar (por assim dizer) uma atitude do criminoso noauxílio à autoridade investigante ou judiciária. Além da atenuante referida há o instituto doarrependimento eficaz queigualmente, beneficia o agente quando este impede voluntariamente que o resultado da execução do delito se produza, fazendo-o responder,apenaspelos atos  praticados (art. 15 do Código Penal). Pode-se, ainda, referir-se aopreceito do art. 16, arrependimento posteriorbem verdade que este limitado àquelescrimes cometidos sem violência ou grave ameaça à pessoamas, da mesma forma,compensador de uma atitude favorável por parte do delinqüente, reduzindo-lhe a pena.
                 Repita-se uma observação de Damásio de Jesus:

                                                           “A polêmica em torno da "delação premiada", em razão de seu absurdo ético, nunca deixará de existir. Se, de um lado, representa importante mecanismo de combate à criminalidade organizada, de outro, parte traduz-se num incentivo legal à traição. A nós, estudiosos e aplicadores do Direito, incumbe o dever de utilizá-la cum grano salis, notadamente em razão da ausência de uniformidade em seu regramento. Não se pode fazer dela um fim em si mesma, vale dizer, não podem as autoridades encarregadas da persecução penal contentarem-se com a "delação", sem buscar outros meios probatórios tendentes a confirmá-la.” 
                                       Em conclusão, não podemos nos valer de meiosesconsosem nome de quem quer que seja ou de qualquer bemsob penainclusive, de sucumbirmos à promiscuidade da ordem jurídica corrompida. Esta nossa posição, sem sombra de dúvidas, sofre forte contestação; de toda maneira, valhemo-nos da lição de Jacinto Nelson de Miranda Coutinho, segundo a qual “autores sofrem o peso da falta de respeito pela diferença (o novo é a maior ameaça às verdades consolidadas e produzresistência, não raro invencível), mas têm o direito de produzir um Direito Processual Penal rompendo com o saber tradicional, em muitos setores vesgo e defasado (...).”[15]

* o autor é Procurador de Justiça na Bahia. Ex-Assessor Especial do Procurador-Geral de Justiça e Coordenador do Centro de Apoio Operacional das Promotorias Criminais. Ex-Procurador da Fazenda Estadual. Professor de Direito Processual Penal da Universidade Salvador (UNIFACS), na graduação e na pós-graduação (Especialização em Direito Processual Penal e Penal e Direito Público).

Fonte: jusvi
N.E : artigo compilado

Extraído em 25.01.2012



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