Revista Época Revela Escândalo: " Vou Te Contar: Eu Sou Bandido ", diz Desembargador


















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USTIÇA - 20/01/2012 20h45 - Atualizado em 21/01/2012 09h19
TAMANHO DO T



"Vou te contar, eu sou bandido!"

Gravações inéditas da Operação Pasárgada, da Polícia Federal, expõem 
o funcionamento do balcão de sentenças no Judiciário 

 HUDSON CORRÊA. COM NELITO FERNANDES



      Des,Federal Francisco Betti, grampeado pela PF

Pasárgada não é apenas o paraíso imaginário para onde o poeta Manuel Bandeira queria se mandar, porque lá ele era amigo do rei e poderia ter as mulheres que quisesse. Pasárgada é também o nome de uma operação deflagrada pela Polícia Federal no dia 9 de abril de 2008, no período em que a instituição recorria com frequência a nomes bombásticos para batizar suas ações anticorrupção. Na operação, 500 policiais federais foram mobilizados para prender prefeitos, advogados, lobistas e integrantes do Poder Judiciário em Minas Gerais, na Bahia e no Distrito Federal. Seu objetivo foi desmontar um esquema de venda de sentenças pilotado por um grupo de juízes federais e desembargadores que atuavam em Minas Gerais. A fraude fora armada para driblar o bloqueio dos repasses de dinheiro do Fundo de Participação dos Municípios (uma parcela da arrecadação do Imposto de Renda e do Imposto sobre Produtos Industrializados, transferida pelo governo federal para os municípios) para prefeituras de cidades mineiras, como Juiz de Fora e Divinópolis. O motivo do bloqueio eram dívidas altas com a Previdência Social. Em vez de quitar os débitos com o INSS, os prefeitos dessas cidades preferiram o caminho da contravenção. Contrataram uma empresa de “consultoria” que intermediava sentenças na Justiça favoráveis ao desbloqueio dos repasses em troca de pagamentos de propinas e outras vantagens a magistrados.  Nas investigações da Operação Pasárgada, os policiais federais coletaram provas contra três magistrados: o juiz federal Welinton Militão dos Santos, de Belo Horizonte, e os desembargadores Francisco de Assis Betti e Ângela Maria Catão. Estes dois fazem parte dos quadros do Tribunal Federal da Primeira Região, que tem sede em Brasília e é o de maior abrangência territorial no país, com jurisdição estendendo-se de Minas Gerais ao Norte e ao Nordeste. Depois de serem denunciados pelo Ministério Público Federal em 2010, os três começaram a sofrer sanções. Ainda em 2010, Welinton Militão foi punido pelo Conselho Nacional de Justiça (CNJ) com a aposentadoria compulsória. No final do ano passado, o desembargador Francisco de Assis Betti foi afastado do cargo pelo Superior Tribunal de Justiça (STJ). O Tribunal ainda vai decidir se ele é culpado ou não. No caso de Ângela Catão, o STJ não aceitou a denúncia. O Ministério Público Federal (MPF) disse que vai recorrer dessa decisão.

Justiça - mensagem (Foto: reprodução)
A denúncia do MPF foi baseada em farto material coletado pela Polícia Federal, como comprovantes de depósitos nas contas dos magistrados, obtidos graças à quebra do sigilo bancário, e escutas telefônicas autorizadas pela Justiça. O conteúdo dessas escutas permaneceu inédito até agora. Nesta reportagem, ÉPOCA revela, com exclusividade, trechos de gravações das conversas dos três magistrados. Existem trechos altamente comprometedores, como aquele em que o desembargador Betti disse, em tom de escárnio, ao juiz Militão: “Vou te contar, eu sou bandido”.
As gravações são oportunas num momento em que o Judiciário está dividido por uma polêmica sobre quais devem ser os poderes do CNJ. O órgão foi criado na reforma do Judiciário em 2004 para funcionar como instância de investigação de denúncias de comportamento inadequado de magistrados e tentar melhorar a gestão dos Tribunais (leia mais sobre o CNJ). Desde sua instituição, a abrangência dos poderes do CNJ vem sendo questionada por uma parcela da magistratura, enquanto outros setores veem o órgão como a instância mais eficiente de controle do Judiciário por causa do corporativismo que impede o bom funcionamento de muitas Corregedorias de Tribunais.
As fitas obtidas com exclusividade por ÉPOCA têm duplo valor. De um lado, mostram como agem os envolvidos na cobrança de propina – quem são, como se tratam uns aos outros, onde se reúnem. De outro, trazem à luz detalhes que permitem traçar um perfil sucinto dos desembargadores Francisco Betti, Ângela Catão e do juiz Welinton Militão, propiciando a chance de conhecer o tipo de personagem que frequenta o lado escuro do Judiciário brasileiro. Um tipo de personagem que se repete em enredos que se interpenetram como no filme Pulp fiction, de Quentin Tarantino – infelizmente, ele não se move num mundo de ficção, mas no Brasil do século XXI.
CAPÍTULO 1 - CHICO BETTI 
GAROTAS DE PROGRAMA E A INFLUÊNCIA DE EXU
Um homem preocupado com o aluguel de seu apartamento em Brasília. Apreciador de batidas de fruta com vodca e vinho chileno. Exibicionista ao falar de mulheres ao telefone – a ponto de encomendar garotas de programa a “interessados” em suas decisões judiciais. Desconfiado, se o assunto for algum tipo “de negócio”, tema sobre o qual prefere falar pessoalmente com o interlocutor em sua casa. Esse é o desembargador Betti que emerge das escutas telefônicas realizadas pela Polícia Federal. Nascido em Belo Horizonte, pronuncia frases cheias de “ocê”, “uai” e “sô”. Só deixa a cautela da fala mineira de lado ao tratar de sua atuação no Judiciário. Nesse caso, quem fala é o “Chico Betti bandido”, como ele mesmo se define nas gravações.
A carreira jurídica de Betti – afastado desde dezembro de suas funções de acordo com decisão emitida pelo Superior Tribunal de Justiça – começou nos anos 1980, como procurador da República. A carreira de malfeitos começou a aparecer em 2007. De acordo com o Ministério Público Federal, Betti, como juiz da 9ª Vara Federal Criminal de Belo Horizonte, solicitou R$ 60 mil para proferir decisão judicial favorável à liberação de mercadorias da Distribuidora Nisama, apreendidas na Receita Federal. Entre as mercadorias, estavam aparelhos eletrônicos e equipamentos de informática. Na ocasião, sua rede de relações incorporou dois amigos altamente úteis para seus propósitos. O primeiro foi Francisco de Fátima Sampaio de Araújo, gerente da agência da Caixa Econômica Federal responsável por sua conta-corrente. O segundo, Sarapó, apelido de Paulo Sobrinho de Sá Cruz, dono da empresa PCM Consultoria Municipal.
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As investigações da Polícia Federal se concentraram, no entanto, no período posterior a sua promoção a desembargador no Tribunal Regional Federal da Primeira Região, quando o magistrado se mudou de Belo Horizonte para Brasília. Três semanas depois de assumir o cargo, Betti ainda morava num hotel. Numa manhã de outubro de 2007, segundo os grampos obtidos por ÉPOCA, ele foi acordado por uma ligação do gerente Francisco Araújo. “Ontem, eu fui a uma churrascaria boa pra danar. Fogo de Chão. Eu tô até de ressaca porque eu tomei três batidas, quatro. Aquele trem com vodca. Por isso que eu tô deitado até agora. Minha cabeça está latejando por causa desse trem”, disse Betti.
O diálogo avançou morno sobre receitas para curar ressaca. Até que mudou de rumo e Betti começou a falar de suas despesas em Brasília. “Eu tenho de me controlar agora. Não tô gastando mais nada”, disse. “Eu estou pagando R$ 2 mil de hotel.” “Seu apartamento não saiu, não?”, quis saber Francisco Araújo. “Saiu nada”, respondeu o desembargador. O gerente apresentou uma solução: “Eu vou conversar com o Danilo (homem não identificado pela Polícia Federal). Ele tem meio para ajudar aí. Resolver isso”. Betti gostou da ideia. “Se pegar um apartamento, são R$ 2 mil a menos (...).” O “cabrito” não berrava por propina, mas por um imóvel.
No começo de novembro, Betti recebeu nova ligação telefônica de Francisco Araújo. Na conversa, o desembargador voltou a mostrar seu gosto pelas bebidas alcoólicas, mas desta vez discorreu sobre vinhos: “Agora eu tô tomando um Toro de Piedra. Cabernet Sauvignon 2004, chileno. Se acabar, eu abro outra (garrafa)”, disse o desembargador. Em seguida, Betti convidou Araújo e Sarapó para irem a sua casa. O gerente ficou feliz. Tinha um “negócio bom” para falar. “Eu tô esperando. Vou abrir ou uísque ou vinho”, respondeu o magistrado. Horas mais tarde, com base na gravação, a Polícia Federal montou campana na rua tranquila onde Betti morava, no bairro Ouro Preto, em Belo Horizonte. No fim da tarde, a polícia viu Araújo e Sarapó deixar o local num Honda Civic. Betti, muito gentil, foi até o carro se despedir dos dois amigos.
Os assuntos daquele dia ainda não tinham acabado, como mostram outras gravações da PF. Às 19h30, Francisco Araújo ligou novamente para o desembargador. “Que recepção maravilhosa. Sarapó ficou num alívio, numa alegria que cê recebeu ele”, disse o gerente .“Ele tá sensível?”, quis saber o magistrado. “Tá, tá”, respondeu o outro. “Então, deixa eu falar: manda pra Sâmia 700 pratas”, disse Betti. Segundo a apuração da PF, Sâmia seria uma namorada de Betti. A conversa prosseguiu no assunto “mulheres”. “Fala pro Sarapó arrumar umas mulheres pra nós aí e tudo, entendeu? Pega três mulheres, fica com uma. Uma pra mim e a outra pro amigo lá. E nós três só. Cê paga, cê entendeu? Paga bem”, disse Betti.
No final de novembro de 2007, Betti recebeu uma ligação de outro amigo, o então juiz da 12ª Vara Federal de Belo Horizonte, Welinton Militão dos Santos. “Vou te dar boas notícias”, disse Betti. “É? Que beleza, que maravilha”, respondeu o colega, ansioso. Militão estava enrolado. Seis meses antes, a Corregedoria do TRF da Primeira Região recebera documentos da investigação da PF sobre a venda de decisões judiciais. As suspeitas atingiam diretamente Militão. Ele precisava se explicar. A solução de Betti para os problemas do amigo envolvia uma lorota e uma tentativa de mostrar influência. Betti disse a Militão que tinha uma reunião com o então secretário-geral da Presidência da República, o também mineiro Luiz Dulci. Betti explicou que havia contado uma mentira à Associação dos Juízes Federais de Minas Gerais. Havia dito aos diretores da entidade que Militão tinha sido procurado por Dulci para intermediar um encontro com os magistrados federais de Minas – na verdade, havia sido Militão quem procurara Dulci, e não o contrário. A ideia era amaciar os corregedores fingindo que Militão teria prestígio na Presidência da República. Além da demonstração de força que uma reunião com um ministro do então presidente, Lula, poderia representar, Betti e Militão planejavam levar, se recebidos, um pedido a Dulci. Eles solicitariam o apoio do governo para a criação de um Tribunal Regional Federal com sede em Minas Gerais, um pleito antigo da magistratura mineira. Betti sonhava alto: se o Tribunal viesse, ele seria presidente por ser o desembargador mais antigo de Minas. “O que eu tô feliz é o seguinte: é que você deu uma arrancada. Se alguém precisar ir ao Tribunal, não poderá ficar te perseguindo”, disse o desembargador a Militão. “Mas olha! O amigo, além de forte, é diplomata, viu?”, disse o juiz. “Não. Eu vou te contar, eu sou bandido. Aqui, meu filho, está falando Chico Betti bandido. Eu não tô nem preocupado com Tribunal, não! Eu tô preocupado é com as suas causas.” As causas em questão, segundo o MPF, eram as vendas de sentenças judiciais.
A ÉPOCA, Betti negou as acusações e disse que vai recorrer do afastamento ao Supremo Tribunal Federal (STF). “Não há conversa minha no sentido de corrupção, de pedir dinheiro. Eu não deferi a liberação de mercadorias”, disse. Sobre a frase “eu sou bandido”, afirmou: “Eu me autodenomino Exu, que na umbanda é um bandido. Então, eu tenho uma incorporação de um Exu. Mas minha ficha é limpíssima”. Sobre o encontro com Dulci, disse: “Militão foi chamado pelo ministro. Eu comuniquei a um grupo de juízes. Só compareceram Militão, uma advogada e eu. O ministro disse: ‘Mas só vieram três?’”. Procurada, a Presidência da República informou que o encontro foi agendado, mas não confirmou se ocorreu. A respeito das conversas com Francisco Araújo, Betti afirma que tratava só da movimentação de sua conta bancária e nega ter pedido garotas de programa ou dinheiro para alguma namorada. De acordo com ele, Sarapó só o procurava como advogado. “Se veio a minha casa, veio trazer um memorial. Nunca fiquei bêbado na frente de ninguém.”
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CAPÍTULO 3 - WELINTON MILITÃO NA POSSE DO AMIGO 
Welinton Militão dos Santos, de 54 anos, mineiro de Pequi, a 128 quilômetros de Belo Horizonte, mandou uma correspondência à então presidente do Tribunal Regional Federal da Primeira Região, Assusete Magalhães. O ofício tinha o objetivo de pedir autorização para viajar de Belo Horizonte para Brasília para prestigiar a posse de Betti, “amigo de velha guarda”, em 17 de novembro de 2007. Três dias antes, Militão mandara uma funcionária da Justiça Federal comprar passagens da companhia aérea Gol para o voo 1802, que partiria do aeroporto de Confins para Brasília às 12h05. No dia da posse de Betti, no entanto, Militão mudou repentinamente de planos. Às 12h15, chegou a um hangar do aeroporto da Pampulha, no centro da capital mineira, num carro oficial da Justiça Federal. Quinze minutos depois, embarcou no avião Sêneca PT VGM do empresário Paulo Sobrinho Cruz – opa, lá está ele de novo, o famoso Sarapó, o dono da consultoria que ajudava municípios encrencados com a Previdência.
Duas semanas depois da viagem para a solenidade de posse, Militão determinou a liberação de verbas do Fundo de Participação dos Municípios para a prefeitura de Juiz de Fora, que disputava na época uma soma de R$ 34 milhões bloqueados pela Previdência Social para compensar dívidas não pagas pela administração municipal. A causa de Juiz de Fora era justamente patrocinada pela consultoria de Sarapó. Logo após a decisão, a Corregedoria do TRF da Primeira Região entrou no circuito. “O corregedor está aqui, pedindo tudo”, avisou um funcionário da vara de Militão a Sarapó. Apesar da fiscalização, Militão recebeu um cheque de R$ 46 mil, cuja origem é atribuída à consultoria de Sarapó, duas semanas depois de a corregedoria fazer inspeção em seus processos. A cópia do documento foi apreendida em abril durante a Operação Pasárgada, que levou o magistrado para a prisão e resultou em seu afastamento da 12ª Vara Federal. Militão sempre negou que tenha recebido propina para dar decisões favoráveis à organização criminosa.
De início, o Conselho Nacional de Justiça aplicou somente a pena de censura ao magistrado. No fim de 2009, ele voltou ao cargo. O MPF recorreu, e o juiz foi aposentado compulsoriamente. Ele fica longe do Fórum, mas continua a receber salário. Um juiz federal em início de carreira recebe R$ 21.700.
Confira abaixo a transcrição dos principais diálogos
Confidências ao Telefone (Foto: Juarez Rodrigues/ EM/ D. A Press)

o show sertanejo (Foto: reprodução)


Fonte:  revistaepoca
áudios da reportagem  na Edição impressa

Foto do Des.Betti retirada no site em.com.br
extraído em 21.01.2012










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