Ponto de vista: A ADI 6852, Aras e o poder da Defensoria Pública de requisitar documentos de órgãos e autoridades

 Domingo, 14 de Novembro de 2021


Tom  Oliveira 

Meus amigos,

Tramita no STF, pelo meio de plenário virtual, uma Ação Direta de Inconstitucionalidade - 6852, impetrada pelo PGR, Augusto Aras, visando proibir as Defensorias Públicas de requisitar documentos de órgão e autoridades. Se vitoriosa, pode haver impacto no acesso de grupos sociais vulneráveis à Justiça. Ficaria bem mais difícil a esse grupos reivindicar um benefício negado como o auxílio emergencial, justamente pela falta de documento importante que teria de requerer, por exemplo, junto a um Banco oficial, para fazer prova alegado.

Essa ação e mais outras 21 foram propostas pela PGR contra leis dos mais diversos Estados ( confira ADI 6.852 ).

 A lei impugnada neste caso é a LC 80/98, que assim estabelece:

Art. 44. São prerrogativas dos membros da Defensoria Pública da União: (...) X - requisitar de autoridade pública e de seus agentes exames, certidões, perícias, vistorias, diligências, processos, documentos, informações, esclarecimentos e providências necessárias ao exercício de suas atribuições;

De acordo com a PGR, as leis conferiram aos defensores públicos um atributo que advogados privados, em geral, não detêm: o de ordenar que autoridades e agentes de quaisquer órgãos públicos expeçam documentos, processos, perícias e vistorias. A PGR diz que essa prerrogativa subtrai determinados atos à apreciação judicial, o que contraria o princípio da inafastabilidade da jurisdição.

"Além disso, as normas desequilibram a relação processual, notadamente na produção de provas, ao conferirem poderes exacerbados a apenas uma das partes, o que ofende o princípio da isonomia, do qual decorre o preceito da paridade de armas", diz o texto.

 O ministro Fachin, relator,  já apresentou o seu voto, pela improcedência da ação:

" Considero a concessão de tal prerrogativa aos membros da  Defensoria como verdadeira expressão do princípio da Isonomia, e instrumento de acesso à Justiça, a viabilizar a prestação de assistência jurídica integral e efetiva, nos termos do art.5º da Constituição Federal.

O grupo Prerrogativas, composto por juristas, professores de Direito, advogados e defensores públicos, ante o julgamento da ADI 6852/DF, entende que " tal qual empregado pela Defensoria Pública em suas práticas quotidianas, o instrumento da requisição não se afirma em prejuízo à atuação de advogados particulares, razão primeira atribuída à pretensão deduzida na referida ADI e em suas correlatas. A prerrogativa de requisição da Defensoria Pública é destituída de qualquer protagonismo quando a litigância se estabelece no plano estritamente privado, no qual agentes públicos e advogados particulares atuam representando partes em oposição, mas em igualdade de condições."

A questão é palpitante, e  tem levantado defesas de vários outros órgãos. As entidades jurídicas AJD - Associação Juízes para a Democracia, ABJD - Associação de Juristas pela Democracia e APD - Associação Advogadas e Advogados Públicos pela Democracia, entraram com um pedido de ingresso como amicus curiae nessa  Ação Direta de Inconstitucionalidade 6852 (ADI), afirmando que  "a Constituição Federal impôs à Defensoria Pública (e somente a ela) a função de defesa, integral e gratuita, da população hipossuficiente. Sob um prisma igualitário, portanto, assume-se uma dívida histórica com a camada mais pobre da população, franqueando-lhes o direito de acessar ao justo, que agora se sabe não se confundir com o mero acesso ao Poder Judiciário". 

A celeuma vem de longe e causa certa inquietação considerando que em  algumas das outras ADIs contra a Defensoria Pública, já pautadas, alguns votos lançados se basearam na ADI 230, julgada pelo STF há mais de década (Plenário, cuja  relatora foi a  ministra Carmem Lúcia, DJe 11/2/2010). No caso, questionava-se, entre outras normas, previsão da Constituição estadual do Rio de Janeiro que conferia à Defensoria Pública carioca a prerrogativa de requisição de documentos, certidões, processos, entre outras diligências não só contra autoridades públicas e seus agentes, mas ainda em face de particulares.

No acórdão, o STF, guiado pelo voto da relatora acima mencionado, entendeu pela inconstitucionalidade da amplitude da prerrogativa: "Por isso, julgo procedente o pedido para declarar a inconstitucionalidade da expressão 'ou de entidade particular:' (...)" (disponível aqui, acesso em 8/11/2021, p. 15).

Ocorre que,  com a promulgação da Emenda Constitucional (EC) 80/2014, a Defensoria Pública foi alçado a defensor exclusivo dos pobres.  Não há mais razão para a mantença da antiga  ADI 230, de uma década atrás. O direito se evolui de acordo de acordo com a sociedade.  Se antes a Defensoria Pública era enxergada como um grande escritório público de advocacia para pessoas pobres, hoje a instituição se configura como uma agência nacional de promoção e tutela de direitos humanos, em caráter individual e coletivo.  vale consignar que a requisição já era ferramenta indispensável para a Defensoria Pública antes mesmo da LC 80/94, quando aplicada, destacadamente, para a solução extrajudicial de conflitos.

Ex positis, penso que, se exitosa, o MPF passaria a ser o único competente para fazer requisição aos órgãos públicos e os grandes prejudicados seriam  os mais pobres, atendidos pela Defensoria, sem nenhuma dúvida disso. Agora, sempre é bom tergiversar sobre o " futuro sombrio " com esta ação. É que o Governo atual já aparelhou a Polícia Federal, e o MPF, até então guardião da cidadania e ordem democrática, tem se revelado uma instituição  igualmente " patrulhada ", com seu Procurador Geral da República fazendo média com o governo visando uma vaga de ministro no STF e seus dignos membros tirados de função e tendo seus poderes investigativos cortados. Deltan Dallagnol e Força Tarefa da Lava jato,  que o diga.  Agora em 2022 será a vez do Judidiciário, quando Bolsonaro nomeará de uma só canetada 75 desembargadores federais para os 6 Tribunais Regionais Federais, alem de criar um novo Tribunal somente com ministros por ele nomeados, o TRF-6a.Região, em Minas Gerais.Sobrará, sem aparelhamento, ao menos teoricamente,  a Defensoria Pública, tanto da União como dos estados, para pleitear direitos dos grupos vulneráveis , ainda que com o desagrado de alguma autoridade. Neste sentido, a Defensoria Pública pode ser a bola da vez para ser aparelhada, até porque , no Brasil,  pobre é moeda de troca e 2022 será ano eleitoral. O bom da história é que o ministro Alexandre de Moraes pediu vistas e suspendeu o julgamento, mas o perigo do retrocesso sócio-jurídico existe.

Quem viver, verá  !


* O autor é promotor de justiça aposentado - MP-PI





Fontes: https://www.migalhas.com.br/quentes/354559/stf-julgara-poder-de-requisicao-da-defensoria-publica

https://www.prerro.com.br/nota-sobre-o-julgamento-da-adi-6852-pelo-stf-defensoria-publica/

https://www.conjur.com.br/2021-nov-12/kassunga-defensoria-perda-prerrogativa-requisicao

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