Ponto de Vista: O princípio das motivações e o rigor formal nas decisões judiciais

 Domingo, 27 de Junho de 2021









Meus amigos,

Sabemos que o processo de decisões judiciais obriga órgãos do Estado a legitimarem atos decisórios, frustrando, assim, o veredito do julgador, uma vez que na serventia da jurisdição, o artifício atribuído ao órgão julgador objetiva a composição adequada dos conflitos de interesse, consoante nos ensina o Princípio das Motivações Judiciais. Ou seja, a motivação das decisões judiciais surge como manifestação do estado de direito, anterior, portanto, à letra da norma constitucional que a refira expressamente (NERY JR., 1997:168).

Aqui entre nós, o tema encontra-se expressamente previsto no artigo 93 da Constituição da República Federativa do Brasil, que dispõe:

Art. 93. Lei Complementar, de iniciativa do Supremo Tribunal Federal, disporá sobre o Estatuto da Magistratura, observados os seguintes princípios: IX – todos os julgamentos dos órgãos do Poder Judiciário serão públicos, e fundamentadas todas as decisões, sob pena de nulidade, podendo a lei, se o interesse público o exigir, limitar a presença, em determinadas atos, às próprias partes e a seus advogados, ou somente a estes; X – as decisões administrativas dos tribunais serão motivadas, sendo as disciplinares tomadas pelo voto da maioria absoluta de seus membros.

 Portanto, o referido dispositivo abrange as decisões judiciais de primeiro grau (interlocutórias ou terminativas-sentenças) e as decisões judiciais dos Tribunais, inclusive administrativas. Ensina a doutrina que este sentimento de Justiça carrega limites quando da sua prolatação, senão vejamos: 

a) Pedido: O juiz deve dar apenas o que foi pedido (Princípio da Congruência). Não é mais aplicado ao Novo Código, visto que hoje o juiz pode “dar” coisa a mais do que foi pedido.

b) Contexto probatório: O juiz não está preso a nenhum meio de prova, mas está preso ao contexto probatório, ou seja, ao conjunto de provas.

c) Lei: O juiz sempre deverá julgar qualquer causa na qual for competente. Quando a lei não for suficiente, deverá o juiz julgar através dos princípios, analogias, costumes. Se a lei determinar que algo pode ser julgado pela equidade, o julgamento será baseado no bem comum, sendo que só poderá ser julgado se estiver previsto na lei. 

Todavia, o direito se manifesta de acordo com a evolução da sociedade. Um crime de Estupro na década de 50 tinha procedimento diferente dos dias atuais. Aprendemos também que a  lei é um instrumento necessário e indispensável para a manutenção da ordem social. O ideal seria que o homem vivesse em um mundo sem a necessidade de se submeter a um sistema externo de regras que impõem limitações a seus impulsos. Diante da impossibilidade, a lei surge como o parâmetro coercitivo para a manutenção da convivência harmônica. O decreto-lei 2.848, de 07 de setembro de 1940, que instituiu o Código Penal, sofreu profundas alterações introduzidas pela Lei 12.015, de 07 de agosto de 2005, principalmente nos crimes contra a dignidade sexual. Novas figuras típicas foram inseridas na formatação penal, dentre elas a junção dos delitos de estupro e atentado violento ao pudor. Adveio a incriminadora com o núcleo do tipo agora  revelado pelo verbo constranger, como era anteriormente, porém, “alguém” e não mais a mulher. Ficou definido da seguinte forma: “Constranger alguém, mediante violência ou grave ameaça, a ter conjunção carnal ou a praticar ou permitir que com ele se pratique outro ato libidinoso”. O “alguém” passa a ser o homem ou a mulher.

Ao lado do estupro convencional, o legislador criou outro, denominado “estupro de vulnerável”. Consiste na prática de conjunção carnal ou outro ato libidinoso com menor de 14 (catorze) anos ou contra pessoa que, por enfermidade ou deficiência mental, não tem o necessário discernimento para a prática do ato, ou que, por qualquer outra causa, não pode oferecer resistência. É aí, no estupro de vulnerável, onde tem havido divergência de entendimento, muito deles devido o rigor formalístico na aplicação da lei.

Agora, tratando-se de delito que envolva menor vulnerável, observa-se que o direito não pode ser excessivamente rígido na sua forma, especialmente em matéria de efeitos tão deletérios como o direito penal, sob pena de distorcer as suas finalidades. Ao analisar um caso de estupro de vulnerável no qual existe um relacionamento entre os envolvidos, não é possível passar a régua, tratando todos os casos de forma idêntica com base em um marco etário imutável, uma vez que o direito penal lida com fatos e circunstâncias únicas em cada ação penal, impondo-se uma análise detalhada de cada situação. Nossos Tribunais tem aplicado este entendimento, vale dizer, aplicar exclusivamente o fator etário para configurar o injusto do artigo 217-A do Código Penal fere princípios basilares do direito pátrio como a dignidade da pessoa humana e a liberdade de dispor do próprio corpoCom base nesse entendimento, o juiz Valderi de Andrade Silveira, da Comarca de Campestre (MG), decidiu absolver um homem de 19 anos que engravidou uma garota de 11 anos. Ele foi denunciado pelo MP com base no artigo 217-A — ter conjunção carnal ou praticar outro ato libidinoso com menor de 14 anos. Segundo os autos, o acusado namorava a vítima com consentimento da família.( vide decisão Clique aqui para ler a decisão  000310-32.2020.8.2020.8.13.0110 ). Interessante notar que o Supremo, em muitos julgados, tem entendimento diversamente, sobretudo em voto do ministro Marco Aurélio,  no sentido de que o consentimento da ofendida para a conjunção carnal e mesmo sua experiência anterior, não elidem a presunção de inocência para a  caracterização do crime de estupro.

Esse novo entendimento do legislador não impede o juiz de analisar  cada caso de acordo com suas particularidades e essa é a diferença entre a lei e a realidade. O juiz não pode ser  um obcecado pelo rigor formalístico, um tecnocrata, mas deve auscultar a vontade e os desejos dos jurisdicionados. Não custa lembrar: quando está atuando, o juiz pratica uma função social A Justiça adquire um rosto humano quando o juiz/RMP tem ouvidos para ouvir o clamor das partes. Compete a ele interpretar a letra da lei, compreendê-la, avaliá-la e inseri-la no caso concreto, considerando as peculiaridades de cada caso, como já dito, a fim de realizar a paz/justiça social e  estará , assim , fazendo o que disse o grande jurista romano, Ulpiano:

" Juris praecepta sunt haec, honeste vivere , alterum non laedere suum cuique tribuendi

( " Viver honestamente, não prejudicar a ninguém e dar a cada um o que é seu " )




* O autor é editor do blog e promotor e justiça aposentado MP-PI














fontes:https://ribergontea.jusbrasil.com.br/artigos/340258718/da-sentenca-e-do-principio-da-motivacao

 https://correiosudoeste.com.br/noticia/1847/A-POL%C3%8AMICA-QUEST%C3%83O-DA-RELA%C3%87%C3%83O-SEXUAL-ENVOLVENDO-MENORES-DE-IDADE

https://www.conjur.com.br/2021-jun-24/juiz-absolve-homem-19-anos-engravidou-garota-11

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