Ponto de vista: A traição de Iscariotes e a traição atual

 Sexta feira, 15 de Abril de 2022

Tom Oliveira *

Meus amigos

Conta a Bíblia que na Judéia do século 1, Judas Iscariotes, um dos 12 apóstolos de Jesus, teria ganho 30 moedas de prata para entregar a identidade de seu mestre aos sacerdotes judeus, lideranças religiosas de Jerusalém que queriam matá-lo. Nessa época, as moedas de prata eram comuns no comércio de elite do Império Romano e o valor pago do suborno era bem razoável. Com as 30 moedas que Judas ganhou daria para comprar uma pequena Fazenda, segundo o Historiador e especialista em moedas, Cláudio Umpierre Carlan, do Museu Histórico Nacional. Judas queria comprar um " pedaço de terra " e ditas moedas eram usadas também com esta finalidade .  O evangelista Mateus ensina que Iscariotes arrependeu-se amargamente da traição a Jesus  e devolveu as 30 moedas como forma de se autorredimir do pecado, enforcando-se em seguida. A traição de Judas foi tão emblemática que no final da Idade Média ele era completamente vilipendiado. É associado ao povo judeu e usado para atacá-lo. A traição passa a ser, a partir daquele momento, sinônimo de Judas e dos judeus estereotipados na longa e implacável história do antissemitismo”, conforme texto da escritora norte-americana, Susan Gubar, autora de Judas: a biography (2009).  Sua conduta é lembrada na literatura (p. ex., Dante Alighieri, na “Divina Comédia”), na pintura (p. ex., Leonardo Da Vinci, no quadro “A última ceia”) e na música (p. ex., Raul Seixas, “Judas”, 1978). 

 Atualmente, a História, com a ajuda da Arqueologia e Literatura, ajudam a explicar a mudança na imagem do discípulo do Novo Testamento e conferindo que o papel de Judas Iscariotes foi muito mais que um traidor. A traição é vista como deslealdade, perfídia, infidelidade, quebra de compromisso ou descomprometimento. Ao  traidor, que na linguagem popular é agora chamado de “traíra”, dá-se o desprezo, o reconhecimento de uma atitude reprovável. 

O direito trata da matéria " traição " em várias e especializadas áreas, com fortes consequências: No Direito Penal  o artigo 240 do Código previa o crime de adultério, punindo-o com quinze dias a seis meses de detenção. Referido dispositivo, que foi revogado em 2005 pela Lei 11.106, raramente foi aplicado, servindo, na maioria das vezes, apenas como prova nas antigas ações civis de desquite. No Processo Penal contemporâneo foi adotada no Brasil a colaboração premiada, mais conhecida por delação premiada (Lei 12.850, de 2013, artigo, 3º, inciso I). No Direito Penal Militar, o artigo  355 do Código respectivo prevê  como ato de traição um brasileiro munir-se de  armas para usá-las contra o Brasil ou Estado aliado. No Direito do Trabalho o artigo 482, alínea “g”, dispõe que configura justa causa para a demissão do empregado a violação de segredo da empresa. Trata-se de flagrante traição que justifica a pena máxima. No Código do Consumidor o artigo 31 dispõe que a oferta e apresentação de produtos ou serviços devem ser claras, precisas, ostensivas e em língua portuguesa, inclusive contendo os riscos que apresentam à saúde e segurança dos consumidores. No Direito Civil, parte Família, o dever de fidelidade no casamento está expresso no artigo 1.566, inciso I. O descumprimento desta regra, por meio de traição, tem dado motivo a ações em que se pleiteia não apenas o divórcio com todas as suas consequências, mas também  indenização por dano moral tendo surgido a famigerada tese da Legítima defesa Honra ( onde se  admitia que uma pessoa, normalmente um homem, matasse  outra, normalmente uma mulher, a esposa ou companheira,  para proteger sua honra, em razão de uma traição em relação afetiva. Com a evolução da sociedade e o empoderamento feminino surgiu legislação de proteção  à Mulher, como o Estatuto da Mulher da Casada,  a Lei Maria da Penha e, mais recentemente, o feminicídio e os crimes de violência psicológica, como o Stalking ( perseguição ). Na Bíblia , o  sétimo Mandamento é “não adulterarás” (Deuteronômio 5:18). A traição no casamento é um pecado muito sério, que destrói famílias. O casamento é uma aliança sagrada onde duas pessoas prometem ser fiéis um ao outro até a morte, perante Deus e os homens. A traição quebra essa aliança e desrespeita o cônjuge, os filhos e Deus. É um ato detestável a Deus. No caso de Iscariotes, a sua traição moveu-se pela ganância, aquele forte desejo de ter mais alguma coisa, geralmente  dinheiro ou poder. Hoje, segundo o catecismo da Igreja Católica, quem pratica contrariamente alguma das normas  dos dez mandamentos da lei de Deus estará se desviando do verdadeiro caminho de vida. O pecado, frise-se, traz a luz da razão obscurecida, ainda assim Jesus, para aqueles que, após o batismo caem em pecados, instituiu o sacramento da penitência: " Recebei o espírito santo; àqueles a quem perdoardes os pecados, ser-lhe-ão perdoados, e àqueles a quem o retiverdes, ser-lhe-ão retidos " ( Jo 20, 22-23 ).

Antes, é preciso fazer a confissão, que é um exame de consciência. Faça  um bom exame de consciência, pedindo a Deus a graça de conhecer os próprios pecados e de se arrepender deles, com o firme propósito de não mais tornar a pecar.

 " Tende cuidado e guardai-vos de toda e qualquer avareza; porque a vida de um homem não consiste na abundância dos bens que ele possui” (Lucas 12:15).

Nesta  Sexta-Feira Santa , em que os cristãos lembram o julgamento, crucificação, morte e enterro de Jesus Cristo, através de diversos rituais religiosos, entre os quais o tríduo pascal ( composto pela Quinta-Feira Santa, Sexta-Feira Santa e Vigília Pascal, o período mais importante do ano litúrgico). A Igreja celebra e contempla a paixão e morte de Cristo e é o único dia em que não se celebra a Eucaristia. Ressalte-se que a páscoa já existia e é mais antiga que jesus e os judeus, porque a partir do século 9, com a conversão dos povos germânicos ao cristianismo, houve uma grande mistura de tradições, com os símbolos das atividades pagãs passando a incorporar à celebração cristã, dentre estes destaca-se o caso do coelhinho, que representava a deusa da primavera entre os povos bárbaros. Ainda hoje Páscoa é chamada de Ostern, em alemão, Easter em inglês - derivações do nome da deusa Eostre ( ou Ostara, como também é conhecida ). Mas foi o Pessach, a Páscoa judaica, que deu origem à cristã. Três dias antes da traição, na terça, Jesus lembra que será traído e foi durante a ceia da Páscoa que o diabo colocou no coração de Judas o desejo de trair Jesus. No versículo 27, quando o Senhor dá a ele um pedaço de pão com molho, Satanás entra em Judas, que houvera combinado a senha para indicar aos guardas quem era o Jesus, beijando-o. Os guardas do templo, membros do Sinédrio e alguns soldados romanos, que pertenciam à guarnição queriam ter a certeza de quem era Jesus.

" Aquele que eu beijar, esse é; prendei-o e levai-o com segurança " ( "Marcos, 14:44 )

Entre os judeus, o beijo era uma forma costumeira de saudação. A utilização deste sinal, revela toda hipocrisia e perversidade que estava no coração de Judas Iscariotes. Judas transformou um sinal afetuoso de amizade e ternura em símbolo da traição. Era uma quinta-feira da páscoa, e o  Evangelho fala da traição de Judas e da negação de Pedro. Hoje, sexta,  fala novamente da traição de Judas. Na descrição da paixão de Jesus do evangelho de Mateus acentua-se fortemente o fracasso dos discípulos. Apesar da convivência de três anos, nenhum deles ficou para tomar a defesa de Jesus. Judas traiu, Pedro negou, todos fugiram. Mateus lembra que só o acolhimento e o amor de Jesus superam a derrota e o fracasso dos discípulos.

No Sábado de Aleluia,  o primeiro dia depois da crucificação e morte de Jesus Cristo, milhares de católicos se reúnem para orar na Vigília Pascal, enquanto outros, normalmente os mais moços, dedicam-se a "malhar o Judas", tradição popular em que pessoas fazem bonecos de pano, penduram em postes ou placas para torturar o boneco até a morte (enforcado ou queimado), representando o Judas Iscariotes, o discípulo que traiu a Jesus Cristo. Ocorre que, nos dias atuais, os manifestantes usam a criatividade pagã para fabricar o Pixuleco e lembrar o "Judas presidiário",  em referência a Lula da Silva e tantos outros do cenário político atual. Na homilia, teremos lembrança daqueles que traem o seu povo por causa de política predatória e armamentista, promovendo guerra contra o seu próprio irmão. São os Judas da modernidade.

Se é certo que a pior das traições sempre vem de pessoas  que mais gostamos e confiamos, também o é quando a  fraqueza de alguns faz com que as mentiras que saboreamos sobre nós vire sustento nos dias seguintes, isto quer dizer que,  quando deixamos de tomar certas atitudes porque não queremos magoar alguém querido, acabamos nos magoando, por tabela. Nunca mande para o escanteio seus escrúpulos de honestidade. Como disse alguém,  " faça a coisa certa,  sempre."

Daí vem  a afirmativa de alguns quando se afirma que  a pior traição ,é trair a si mesmo.

* O autor é editor do blog e praticante do Credo.

Fontes: https://super.abril.com.br/mundo-estranho/se-jesus-fosse-vendido-hoje-quanto-judas-teria-recebido-em-reais/

https://brasil.elpais.com/cultura/2021-03-27/judas-muito-mais-que-um-traidor.html

https://www.conjur.com.br/2016-mar-27/traicao-otica-direito-positivo-brasileiro

https://www.somostodosum.com.br/clube/artigos/autoconhecimento/a-pior-traicao-e-trair-a-si-mesmo-12351.html

https://domtotal.com/noticia/1507895/2021/03/em-tua-casa-vou-celebrar-a-pascoa/

https://missatridentinaembrasilia.files.wordpress.com/2013/09/exame-de-conscic3aancia-rev.pdf

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