Ponto de Vista: Lava Jato, Rui Barbosa e o absurdo crime de hermenêutica

Domingo, 09 de Abril de 2017

Tom  Oliveira *

Meus amigos,




Volta, com força política  acima do concebível, a proposta da responsabilização penal do juiz por autorizar a investigação de suspeitos que tenham vinculação com agentes políticos, incluindo aqueles que detém foro privilegiado. É a chamada " Hipérbole do Absurdo " de que falava Rui Barbosa* e que hoje busca criminalizar o ato  jurisdicional  típico, no momento em que "   o relator no STF dos processos oriundos da Operação Lava-Jato resolveu paralisá-la em boa parte, ao deferir medida cautelar suspensiva e determinar a avocação de autos e provas, em virtude da Reclamação 23.457, ele anunciou o retorno ao entendimento que parecia sepultado do crime de hermenêutica. O relator também adiantou juízos de censura ao juiz Moro, consoante artigo do juiz Luiz Fernando Cabeda"  **.

Rui Barbosa, em célebre panfleto “O Jury e a Responsabilidade Penal dos Juizes” sustentava a impossibilidade de aplicar pena a magistrados em virtude de seu entendimento interpretativo da lei, ou seja, em razão da hermenêutica, ainda quando a punição viesse a ser decretada no âmbito do tribunal a que o juiz estivesse vinculado e mesmo que a imposição da lei inquinada de inconstitucional fosse pretendida e promovida pelo chefe de Estado. Rui Barbosa patrocinava a defesa  do juiz de Direito do Rio Grande do Sul, Alcides de Mendonça Lima, pai do conhecido processualista de mesmo nome. Corria a década  de 1890.


Dez anos atrás, em 2007, o ministro Luiz Fux, atualmente no STF,  foi relator de representação criminal apresentada contra desembargadora do TRF-3 (São Paulo) ao Órgão Especial do STJ, em virtude do entendimento que ela expôs ao realizar a prestação jurisdicional, isto é, em razão dos motivos e procedimentos adotados em decisões e julgamentos. Era a primeira volta da hipérbole do absurdo.

O magistrado não pode ser coagido ou punido por suas decisões e, agindo dentro dos limites legais, tem ampla autonomia na prestação jurisdicional. O ministro Luiz Fux defendeu esse posicionamento no seu voto em uma representação contra a desembargadora do Tribunal Regional Federal (TRF) da 3ª Região e o seu entendimento foi acompanhado, por unanimidade, pelos demais ministros da Corte Especial do Superior Tribunal de Justiça (STJ).


Preocupado com o andar da carruagem,  o procurador-geral da República, Rodrigo Janot, entregou ao Congresso uma proposta alternativa do Ministério Público Federal ao projeto de lei sobre abuso de autoridade que tramita no Senado.


A tentativa dele é evitar que juízes e investigadores sejam criminalizados por divergências na interpretação da lei. Integrantes da Lava Jato avaliam que o texto do relator Roberto Requião (PMDB-PR) para o projeto permite que haja punição para o chamado “crime de hermenêutica”, ou de interpretação, o que poderia inviabilizar investigações. O texto de Requião deve começar a ser analisado na Comissão de Constituição e Justiça do Senado.
A operação Lava Jato é a maior investigação de corrupção e lavagem de dinheiro que o Brasil já teve e já se encontra na 37ª fase. Para o reto desempenho de sua nobre missão, o   juiz não pode ter medo de desagradar, nem de cara feia !
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A Defesa de Rui Barbosa em
Habeas-corpus impetrado por Rui Barbosa perante o Supremo Tribunal Federal em favor do juiz Alcides Lima
42-ruibarbosa foto1O presidente do Estado do Rio Grande do Sul, Júlio Prates de Castilhos, promulgou a Lei n. 10/1895, cujo artigo 65 dispunha que as sentenças do júri eram proferidas pelo voto a descoberto e cujo artigo 66 facultava a recusa de jurados somente se motivadas.
Era juiz de direito da comarca de Rio Grande o Dr. Alcides de Mendonça Lima, ex-constituinte. Ao abrir a sessão do 1o júri, aos 28 de março de 1896, declarou contrários à Constituição os dispositivos citados. Publicada a notícia em jornal, foi imediatamente interpelo pelo Chefe do Poder Executivo.
Tendo o juiz confirmado a notícia, Júlio de Castilhos imediatamente dirigiu-se ao procurador-geral do Estado, solicitando-lhe o oferecimento de denúncia, o que logo foi feito, apontando-se o juiz como incurso no crime de prevaricação, por “julgar ou proceder contra literal disposição de lei”.
Por acórdão do Superior Tribunal, de 18 de agosto de 1896, Mendonça Lima foi condenado a 9 meses de suspensão de suas funções, qualificando, porém, a hipótese, não como prevaricação, mas como abuso de poder (exercício de função pública além de seus limites). Negando-se a aplicar ato legislativa que tinha por inconstitucional, o juiz excedera os limites das funções próprias do seu cargo. Eis a substância da decisão.
Foi interposto recurso de revisão criminal para o Supremo Tribunal Federal (Recurso de Revisão n. 215), tendo sido constituído patrono do requerente o advogado Rui Barbosa, que sustentou haver o Tribunal local instituído um novo crime: o crime de hermenêutica. Disse Rui Barbosa:
A resistência do juiz da comarca do Rio Grande a essa transmutação do júri numa degenerescência indigna de tal nome surpreendeu a política da quele Estado com o imprevisto de uma força viva e independente, a consciência da magistratura, difícil de submeter-se à prepotência dos governos. Com a necessidade então de acudir a obstáculo tão inesperado, improvisou-se, por ato de interpretação, nos tribunais locais, contra a magistratura, um princípio der morte, de eliminação moral, correspondente ao que, por ato legislativo, se forjara contra o júri, no gabinete do governador. O júri perdera absolutamente a sua independência, com a escrutínio descoberto e a abolição de recusa peremptória: o poder não abrira só um postigo sobre a consciência do jurado: aquartelar-se nela. Para fazer do magistrado uma impotência equivalente, criaram a novidade da doutrina, que inventou para o juiz os crimes de hermenêutica, responsabilizando-o penalmente pelas rebeldias de sua consciência ao padrão oficial no entendimento dos textos.
Por acórdão de 10 de fevereiro de 1897, o Supremo Tribunal Federal absolveu o requerente, sem manifestar-se, porém, sobre a questão da constitucionalidade das normas estaduais.
Havendo o juiz reincidido, veio a ser novamente condenado a nove meses de suspensão.
Seguiram-se os pedidos de revisão n. 405 e 406, o primeiro para revogação da pena imposta; o segundo, para que o Supremo Tribunal Federal se pronunciasse sobre a questão constitucional.
Por acórdão de 7 de outubro de 1899, o Supremo Tribunal Federal tornou a absolver o requerente, mais uma vez sem pronunciar-se sobre a questão constitucional.

*O autor é promotor de justiça aposentado ( MP-PI ) autor de " O Ministério Público do Brasil e do Piauí e editor do blog 

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fontes: * http://www.tex.pro.br/especial/podcasts/269-serie-historia-do-processo-judicial/6639-hpj-42

 ** https://cabeda.jusbrasil.com.br/artigos/320526238/o-sinistro-retorno-do-crime-de-hermeneutica
http://blogdofred.blogfolha.uol.com.br/2017/04/07/lava-jato-e-o-absurdo-crime-de-hermeneutica/

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