Polêmica: Ministros e advogados apontam inconsistências em propostas do MPF

Quarta, 25/03/15

Por  Tadeu Rover *

O pacote anticorrupção anunciado pelo Ministério Público Federal na sexta-feira (20/3) não caiu bem. Segundo o MPF, o objetivo das dez medidas anunciadas — que serão entregues em anteprojetos de lei ao Congresso — é aprimorar a prevenção e o combate à corrupção e à impunidade. No entanto, para ministros do Supremo Tribunal Federal, advogados e até membros do Ministério Público ouvidos pela revista Consultor Jurídico, algumas propostas são inócuas, além de inconstitucionais.
O ponto que mais chamou  atenção é a pretensão de utilizar uma “prova” ilícita no processo penal. “Para dizer o mínimo, a proposta é lastimosa”, classifica o advogado, professor e diretor da Revista Brasileira de Direito Processual Lúcio Delfino (foto). “A aprovação dessa proposta significa a abertura de uma janela para a prática incontrolável de arbitrariedades, em benefício exclusivo do Estado policialesco. Melhor mudar o nome da proposta formulada pelo MPF para ‘pacote anti-devido-processo-legal”, diz. Delfino lembra que a proibição do uso de provas ilícitas é uma cláusula pétrea da Constituição. “Não é mera formalidade, como advogam alguns, mas garantia material assegurada constitucionalmente a todo e qualquer cidadão”, completa. Operações como Satiagraha, castelo de areia e sundown  e que foram derrubadas na Justiça por terem usado provas ilícitas — como escutas ilegais., são exemplos. Agora, o MPF quer mudar o Código de Processo Penal, para que mesmo provas ilícitas possam ser usadas nos processos, quando “os benefícios decorrentes do aproveitamento forem maiores do que o potencial efeito preventivo.
ra de Combate à Corrupção.
No entanto, a justificativa não é o bastante nem mesmo para membros do Ministério Público. Roberto Livianu (foto), promotor de Justiça e doutor em Direito, lembra que a missão constitucional do MP é garantir a aplicação da Constituição. "É preciso trabalhar com provas 100% lícitas, também porque o uso de qualquer meio de prova questionável gerará um campo de ataque ao MP, o que não é desejável."
Lenio Streck, professor e advogado, recentemente aposentado do Ministério Público, afirma que a relativização do uso da prova ilícita contamina o conjunto de sugestões enviados pelo MPF. “Isso pegou muito mal. Ainda há juízes em Berlim e penso que ainda há promotores em terrae brasilis que estão preocupados com a cláusula pétrea que a proibição de uso de prova ilícita. Qual é o problema fulcral? A próxima vitima pode ser você. Hoje é bom relativizar a prova para pegar corruptos, lavadores de dinheiro. Amanhã isso será usado para qualquer coisa. Não se transige com garantias fundamentais. Ou eles valem ou não valem”, diz.

Reprodução

O Criminalista, Pierpaolo Bottini (foto) observa que, pela lei atual, nos casos em que há indícios concretos de que está havendo dilapidação de patrimônio o juiz já pode decretar prisão preventiva. “O que querem na verdade fazer é uma presunção de que se você não encontrar os valores supostamente desviados, justificaria a prisão preventiva. Isso fere profundamente qualquer parâmetro de presunção de inocência”, afirma.
Na opinião de Lúcio Delfino, a proposta da prisão preventiva fere a Constituição. “Se ninguém pode ser considerado culpado até o trânsito em julgado, como reza nossa Constituição Federal, como admitir a validade de prisões com fins de evitar dissipação do dinheiro desviado?”, questiona. Para ele, não há devido processo quando o acusado é tratado como se culpado fosse.
Já Roberto Livianu defende a proposta do MPF. Ele aponta que a prisão preventiva é processual e não viola a presunção da inocência. "Todos, inclusive assassinos, têm a inocência presumida até que se encerre o processo. No entanto, se podem impedir o bom andamento do processo ou geram risco à ordem pública, há o instrumento da prisão preventiva".
Mudanças no sistema recursal
No documento apresentado pelo MPF, o órgão defende ainda mudanças nos recursos dos processos penais. Uma das sugestões é acabar com os Embargos Infringentes, que permitem a rediscussão de decisões colegiadas quando não há consenso entre os julgadores. Na Ação Penal 470, o processo do mensalão, esse recurso permitiu que o Supremo Tribunal Federal recuasse de condenações por formação de quadrilha e lavagem de dinheiro, por exemplo.
Outras medidas são a aplicação imediata de condenações quando for reconhecido abuso no direito de recorrer; o fim dos Embargos de Declaração de Embargos de Declaração; e a criação de um recurso em que o Ministério Público poderia discutir Habeas Corpus dentro do próprio tribunal que concede a ordem, para “uma paridade de armas” quando discordar da liberdade.
A paridade de armas alegadas pelo MPF para justificar as medidas é justamente o argumento utilizado pelos advogados para criticá-las.  Segundo o advogado Cal Garcia Filho, a reforma do sistema processual precisa ser sistemática, sem alterar a relação de freios e contrapesos, o necessário equilíbrio de armas entre as partes processuais. “O MP visa, apenas e tão só, diminuir os instrumentos e recursos disponíveis à defesa sem oferecer nada que possa reequilibrar a balança” afirma, apontando que a acusação dispõe de numerosos e diversos instrumentos para o exercício da sua função e seu papel de parte.
No mesmo sentido Lenio Streck (foto) afirma: “tudo o que é ad hoc pode ser perigoso. Até as pedras sabem que precisamos alterar o sistema recursal. Mas ele não deve mudar apenas para facilitar a vida do Estado e dos organismos encarregados de combate ao crime”. O jurista observa que os recursos são garantias do cidadão, e não o contrário. Em sua opinião, os embargos infringentes em favor do MP até podem ser uma boa medida, desde que acompanhada de uma série de outras medidas. “Não se pode restringir Habeas Corpus e recursos extraordinários. Habeas Corpus é um remédio constitucional. Não vamos inventar a pólvora agora voltando aos tempos do Estado de Exceção. Falta só dizerem que para alguns crimes não caberá Habeas Corpus”, diz.
Outras medidas
Umas das propostas do MPF é aumentar a pena para os casos de corrupção e tornar a corrupção de altos valores crime hediondo. Para Marcelo Leonardo, essa sugestão é uma tentativa do parquet de desenterrar velhas propostas que em nada contribuem para a redução do ato. “Se transformar tipo penal em crime hediondo fosse eficiente desde a edição da Lei de Crimes Hediondos, em 1990, deveríamos ter estatísticas apontando a queda naquelas condutas ali tipificadas e não existe nenhuma estatística dessa redução”, diz. Segundo ele, elevar penas também nunca foi forma de reduzir criminalidade. “Nesse sentido se tem até a experiência de estados americanos que preveem a pena de morte enquanto outros não, e não há nenhuma estatística comprovando que onde há pena capital tenha redução criminalidade”, afirma.
Para o advogado Fábio Medina Osório, o que pode fortalecer mecanismos de combate e prevenção à corrupção aparentemente não foi abordado no pacote do MPF. Como exemplo ele cita transformar os contratos administrativos em contratos digitais. “Tal providência ensejaria maior transparência no setor público e poderia reduzir níveis de corrupção e de ineficiência”, diz.
A ideia de que faltam novas leis também é rebatida pelo ministro Marco Aurélio (foto), que resume seu pensamento sobre os "pacotes anticorrupção" feitos pelo MPF e pelo governo federal: "Já temos um entulho legislativo. Não precisamos de leis, mas de de um banho de ética. Todo mundo tem agora um milagre para chegarmos a novos dias. No campo formal, o Brasil está cheio. Quero saber da realidade".


 é repórter da revista Consultor Jurídico.






fonte:  Conjur

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