Opinião: " Prescrição da Memória "

Por  Ruy Fabiano












  Jornalista


A primeira denúncia do ano – a de que o ministro da Integração Nacional, Fernando Bezerra, privilegiou seu estado, Pernambuco, governado por seu partido, o PSB, com verbas contra catástrofes, em detrimento de outros, mais necessitados – é mais grave pelo que oculta que pelo que revela.
Revela uma anomalia antiga, o critério partidário-eleitoral no uso do Estado. E oculta uma das maiores dores de cabeça da presidente Dilma: a luta fratricida em sua base de apoio.
Enquanto o PSB se empenha em blindar o ministro, o PT, de olho na reforma ministerial, o expõe nos bastidores.
O PSB cresce em prestígio, graças, sobretudo, a seu presidente, o governador pernambucano Eduardo Campos, uma das maiores lideranças do Nordeste, região em que o PT garantiu triunfo nas três últimas eleições presidenciais.
É natural que os petistas temam essa expansão, ainda que em uma força aliada.
Vê-se por aí o liame frágil que forma as coalizões no Brasil, mesmo quando entre parceiros ideológicos. Campos é um presidenciável de grande potencial. Pode não ter ainda dimensão nacional, mas, numa campanha presidencial, tiraria votos do PT em sua principal base de apoio popular.
Com as eleições de outubro, a guerra entre as duas legendas deve crescer no Nordeste, com repercussões negativas para a solidez da base federal do governo.
O ano começa com a velha rotina das catástrofes climáticas, que se misturam com as políticas (os escândalos), que marcaram o ano findo.
Sendo ano de eleição, é de se prever uma exploração ainda mais exacerbada dos malfeitos (para usar a linguagem eufemística da presidente, diante dos escândalos de corrupção).
Há ainda a crise econômica mundial, que já começa a dar sinais de seus efeitos internos, para compor um cenário delicado – e só não o é mais por uma razão prosaica: o país não tem oposição.
Mesmo somando todas as dificuldades e contradições do governo, a oposição ainda as supera. Basta ver que o principal adversário, o PSDB, briga mais consigo mesmo que com o rival PT.
Minas e São Paulo, estados que concentram a parte mais substantiva do PIB brasileiro, e são governados pelos tucanos, anulam-se politicamente, com o duelo entre suas principais lideranças, o senador Aécio Neves e o ex-governador José Serra.
Lutam pela hegemonia partidária e pela sucessão de 2014, sem se deter no fato de que, a permanecer a desdita, não chegarão até lá. No campo mais conservador, onde despontam o DEM e o PSD, a luta é ainda mais autofágica.
O PSD nasceu do DEM, mas rapidamente agregou gente de quase todos os partidos, inclusive governistas. O DEM tentou bloqueá-lo na justiça. Perdeu.
Ressentido, avisou que jamais apoiará iniciativas suas, o que faz prever que muito menos aceitará coligações eleitorais, a começar pelas de outubro próximo.
Tudo isso facilita a vida do governo, que conseguiu perder sete ministros – seis por corrupção – e mesmo assim livrar-se de todas as tentativas de CPI no Congresso.
É inimaginável que o mesmo se desse com o PT na oposição. Esse, na verdade, é o grande trunfo político de Dilma: não ter adversários – a não ser, claro, os de dentro. Não é pouco; em certas situações, são os piores, porque imperceptíveis.
A grande incógnita é o mensalão, previsto para ser julgado ainda este semestre.
Segundo, porém, o ministro Ricardo Lewandowski, relator revisor do processo no Supremo Tribunal Federal, ele pode simplesmente prescrever, dado o seu volume, o que será um escândalo tão grande quanto o que deveria ser julgado.
Mas se a oposição não soube fazer uso do escândalo quando acontecia, permitindo que o PT reelegesse Lula meses depois, como supor que faria algo melhor agora?
E, afinal, escândalo tornou-se rotina no país: o do dia faz esquecer o da véspera – e o Mensalão, nesses termos, é coisa de um passado pré-diluviano, num país em que a própria memória é coisa prescrita.



* artigo extraído do blog de Ricardo Noblat  ( oglobo.globo.com /pais/noblat/ )
  publicado em 7.01.2012

Comentários

Postagens mais visitadas deste blog

FAMOSOS Após hacker vazar nude de Luísa, Whindersson faz piada, mas lamenta: “Danos irreparáveis”

Dois alvos: a história da mulher que prometeu ficar nua e a mosca que pousou na testa de Obama...

TJ-RJ Dá Posse a Jovem Desembargadora Em Vaga da OAB