Entrevista: " A Magistratura Está Intimidada Com a Atuação do CNJ "

De tempos em tempos, o Supremo Tribunal Federal se vê prensado pelo dilema entre a preservação dos valores constitucionais e o clamor público. Este é um desses momentos, afirma o ministro do STF, Marco Aurélio. A ideia de que o país será mais justo dando poderes excepcionais ao Conselho Nacional de Justiça (CNJ) ou ao Conselho de Controle de Atividades Financeiras (Coaf) não faz parte do credo do ministro. Para ele, "nem no auge do regime de exceção no Brasil ou na União Soviética o Estado institucionalizou a invasão da privacidade do cidadão, como se pretende fazer hoje no país". Marco Aurélio enfatiza que o STF já deixou claro que apenas instâncias judiciais — e jamais órgãos administrativos — podem suspender a privacidade do cidadão, o que foi estabelecido em julgamentos que proibiu o Fisco de quebrar sigilos sem a interveniência do Judiciário.
Crítico da atuação “quase que policialesca” do Conselho, como disse em entrevista à revistaConsultor Jurídico, Marco Aurélio liberou a ação que contesta os poderes do CNJ para julgamento em Plenário em 5 de setembro e esperou 14 sessões para julgá-lo. Em vão. Marco, então, pôs em prática, como de praxe, uma de suas muitas frases características: “Não peco por ato omissivo”. De fato, o ministro Marco Aurélio, como todo homem público, está sujeito a críticas, mas omisso ele não é. Em uma das últimas sessões do ano passado, por exemplo, o ministro criticou o fato de um recurso com repercussão geral ter sido incluído na pauta na véspera do julgamento, às 23h. Reforçou a necessidade de o Supremo cumprir a pauta e, assim, conferir-lhe credibilidade e ressaltou que se até ele mesmo havia sido pego de surpresa com a inclusão do processo para julgamento, o que dizer do advogado da parte, que muitas vezes sai de outros estados para vir a Brasília para as sessões, cujo trabalho é guiado pela pauta publicada dias antes.



Leia os principais trechos da entrevista.
ConJur — A competência do CNJ para abrir e julgar processos ético-disciplinares contra juízes é concorrente ou subsidiária?
Marco Aurélio — A atuação é uma atuação subsidiária. Isso está demonstrado em cláusula da Constituição, no que prevê que, encerrado o processo administrativo no tribunal, que goza de autonomia administrativa e financeira, até um ano após o CNJ pode avocar. E claro que essa previsão pressupõe o início do processo administrativo no Tribunal de Justiça ou no Tribunal Regional Federal. Não dá para atropelar, para criar. Isso não interessa à sociedade brasileira, não é avanço cultural. Eu já disse que hoje a magistratura está realmente intimidada.
ConJur — O senhor acha que os juízes temem o CNJ?
Marco Aurélio — Vou contar, apenas para revelar, um exemplo doméstico. Minha família tem base no Rio de Janeiro. Tenho meus irmãos, meus sobrinhos, duas filhas e um único neto no Rio. Minha mulher [desembargadora Sandra De Sanctis] tem os pais ainda vivos no Rio, tem um irmão que é pai de trigêmeas. Então, eu disse a ela: “Sandra, vamos pelo menos uma vez por mês ao Rio”. Ela disse: “Eu não posso”. Eu perguntei: “Por que você não pode?”. Ela respondeu: “Tenho meus processos”. Aí eu indaguei a ela: “E os meus?”. Resposta que ela me deu: “Você não tem o CNJ no calcanhar”. Se isso ocorre com ela, ocorre com outros juízes. Claro, a responsabilidade dela é maior por ser casada com um ministro do Supremo crítico dessa atuação quase que policialesca do CNJ. Mas o CNJ tem um papel importantíssimo, que é pensar na estruturação do Judiciário, no Judiciário de amanhã. Ele não pode pretender substituir-se a mais de 50 corregedorias. Mesmo porque teria que ser um órgão muito grande — quem sabe até expulsando o Supremo do prédio do próprio Supremo.
ConJur — O senhor critica até mesmo o fato de a sede do CNJ e do Supremo serem no mesmo prédio, não? 
Marco Aurélio — Sim. Eu estou lutando para ver se um anexo do TSE fica com o CNJ. Estou tentando estimular o presidente do Supremo a conseguir que o anexo onde está a informática, que é um prédio de 4.700 metros quadrados independente, que fica em outro lote, seja destinado ao CNJ. Por quê? Porque o CNJ foi instalado aqui no Supremo e eu acho que é prazeroso para aqueles que o integram dar como o endereço o Supremo Tribunal Federal. E há essa mesclagem que não é boa, inclusive com a expulsão de órgãos administrativos do STF para outros prédios em Brasília, para abrir espaço para o CNJ.
ConJur — O Habeas Corpus virou um substituto processual?
Marco Aurélio — O que ocorre? A defesa deixa transitar em julgado a decisão do STJ indeferindo a ordem e quando a coisa aperta lá embaixo, no processo crime, vem a qualquer tempo ao Supremo, esvaziando a previsão constitucional de cabimento do Recurso Ordinário, porque o Habeas não está sujeito ao pressuposto da oportunidade. Propus esse verbete há dois anos. Não sei onde está. Não há interesse. E ficamos julgando e julgando... Você comparece à sessão da 1ª Turma e pensa que estão em uma câmara criminal.
ConJur — O senhor acha que a PEC dos Recursos, proposta pelo ministro Cezar Peluso, é uma boa saída para dar efetividade às decisões judiciais?Marco Aurélio — Já me manifestei expressamente no sentido de que a PEC subverte o sistema, no que se aponta “uma preclusão maior da decisão de origem”, mesmo que ainda sujeita a recurso. Recurso em uma via afunilada, que é o recurso de natureza extraordinária, para o STJ ou para o Supremo. O presidente [Cezar Peluso] — que primeiro lançou a proposta no Rio de Janeiro, na Fundação Getulio Vargas, para só depois ouvir os integrantes do Supremo — com honestidade intelectual, admitiu que o único que se pronunciou, e se pronunciou de forma contrária à proposta, fui eu. Eu continuo acreditando que nós temos que guardar princípios. E que, no caso, os princípios básicos estão na Constituição Federal.
ConJur — Como o senhor vê o fato de o Poder Executivo modificar o orçamento que vem do Poder Judiciário antes de enviá-lo ao Congresso Nacional?
Marco Aurélio — Um atropelo inconcebível. Quando veio a Constituição de 1988, nós tivemos o primeiro problema. Houve uma reunião do Supremo e o tribunal assentou que os poderes, quanto à confecção do orçamento para submissão a quem de direito, são independentes. Executivo e Judiciário ombreiam. E temos decisões nesse sentido no campo jurisdicional. Eu deferi liminar, inclusive contra ato da governadora do Rio Grande do Sul. Tivemos “n” casos. Mas há essa tendência do estado de querer tutelar o cidadão, o que é péssimo. A liberdade deve ser atônica. Não é? E agora também de o Executivo, em uma hipertrofia imensurável, querer tutelar o Judiciário. O que compete ao Executivo é consolidar as propostas orçamentárias como elas são apresentadas e encaminhar ao Congresso Nacional. O Congresso, sim. O Congresso pode alterar a proposta.
ConJur — Qual a opinião do senhor sobre a PEC que aumenta de 70 para 75 anos a aposentadoria compulsória no serviço público?
Marco Aurélio 
— Sou favorável. Escrevi um artigo sobre isso na Folha de S. Paulo em 2002, com o título O Brasil lugnagiano — o castigo da aposentadoria compulsóriaEu, por exemplo, o que considero um absurdo, poderia ter me aposentado aos 49 anos. Mas a prata nunca me seduziu. Sinto-me um homem realizado julgando. Ainda enfrento hoje um processo como se fosse o primeiro da minha vida, com o mesmo entusiasmo, com a mesma paciência de folhear o processo físico. Minha mulher já reclama. Ela é desembargadora e está aguardando que eu me aposente, porque ela também já tem tempo para se aposentar. E ela reclama porque eu já disse que se aumentar a idade da compulsória para 75 anos, terão que me agüentar mais cinco anos. E eu espero continuar com o mesmo pique.



Fonte: conjur( compilado)
a entrevista  completa está no site www.conjur.com.br
extraído em 08.01.2012

Comentários

Postar um comentário

Postagens mais visitadas deste blog

FAMOSOS Após hacker vazar nude de Luísa, Whindersson faz piada, mas lamenta: “Danos irreparáveis”

Dois alvos: a história da mulher que prometeu ficar nua e a mosca que pousou na testa de Obama...

TJ-RJ Dá Posse a Jovem Desembargadora Em Vaga da OAB